Hoje está friozito… Mesmo assim, quero ir ao jardim, acho que ela vai estar lá… Visto o meu casaco, luvas, protecções para as orelhas, gorro e cachecol, pego na bengala e vou. Demoro mais de meia hora a percorrer a curta distância entre a minha casa e o jardim, onde pequenas crianças, agasalhadas tanto quanto podem, brincam felizes.
Sento-me no banco de madeira verde e tiro o saco de pão ralado com cuidado para ninguém ver. Tenho vergonha de o fazer, da maneira como as pessoas olham para mim, como um velho senil, mas adoro atirar mãos cheias de pão para o chão e ver as pombas, felizes e vorazes, devorar tudo. Está um dia triste, que me faz ficar também um pouco triste. Pelo menos é o que digo a mim mesmo, que é por causa do dia, quando no fundo sei que é porque ela não deve vir hoje.
Estou eu a pensar na sua ausência quando sou brindado pela sua presença. Ao fundo, caminhando um pouco curvada (ai as cruzes…) vejo-a, no meio das suas amigas de todos os dias. Penso mais uma vez na sua idade. Deve ser mais ou menos da minha idade, oitenta e cinco no máximo. Sinto-me triste, porque queria falar com ela, ser seu amigo, convidá-la para tomar café e falar, falar, falar… Só queria alguém com quem poder falar, conversar, dizer o que penso disto, daquilo… Alguém que me salvasse um pouco desta solidão que vivo todos os dias. Assim sofre um pobre viúvo. Com um contacto raro com os filhos, que foram viver para a outra ponta do país, com poucos amigos – e os melhores já falecidos –, sinto que não pertenço aqui. Queria falar com ela, mas sei como são as senhoras de sua idade.
Apesar de viúva como eu (disse-me o Álvaro), sei que geralmente as senhoras desta idade são muito fiéis à memória de seu marido, achando que estão a cometer terrível pecado em partilhar a sua solidão com outro homem.
Na verdade, é só isso que quero fazer. Não quero sexo, não conseguiria mesmo que quisesse, não quero nada de mal, só gosto daquela senhora, nem sei bem porquê, gosto dela e as outras são-me indiferentes… Bem, encho-me de coragem, tento afastar da minha cabeça os pensamentos que corriam e levanto-me do banco, com o intento de me dirigir ao banco onde a senhora se sentou. Que tenho a perder? Respeito por mim talvez, caso seja recusado… Não interessa agora…
Aproximo-me, faço uma ligeira vénia, tirando o gorro e pergunto à senhora, sabendo que à partida não se surpreenderá muito com a pergunta, já que sabemos da existência um do outro e já trocamos alguns olhares:
– Desculpe, mas conceder-me-ia o prazer de me acompanhar num café nesta manhã? – Neste momento, abre muito os olhos, olha uma ou duas vezes para as senhoras que se sentam a seu lado e dispara, numa voz baixa e lenta, mas cortante:
– Mas o senhor pensa o quê, que sou uma mulher qualquer que vai para um café com alguém que nunca viu na VIDA? Desculpe, mas não tem esse direito! – Totalmente arrependido, faço uma vénia, peço perdão e retiro-me. Caminho lentamente, com uma dor no fundo da garganta incrível. Apetece-me chorar, mas digo a mim mesmo que devo ser forte e sigo caminho, com lágrimas batalhando para saltar, e um buraco no lugar do coração.