Não é Bem Assim

Conspiracionistas

“Não discuto com terraplanistas!” “Não discuto com pessoas que rejeitam as vacinas!” “Não tenho paciência para pessoas que acreditam em horóscopos!” (esta última é minha – e tento combatê-la!)

 

Não me parece que seja de agora, esta onda de uma pessoa não querer perder tempo com pessoas que parecem ter ideias estúpidas. A ciência evolui, muitas vezes, com ideias que, à partida, podem parecer estúpidas, e se não tiverem o seu espaço, podem demorar mais do que deviam a serem provadas. Mas… isso é lá com os cientistas, não é comigo, nem com a maioria de vocês. Não quero falar de estar a questionar cientistas, apesar de isso estar na moda, mas de questionar quem questiona os cientistas. As pessoas falam com uma propriedade do carago quando, quase sempre, não têm propriedade nenhuma, e eu percebo que seja frustrante estar a discutir com alguém que leu num blogue, ou num site de notícias com um nome espectacular tipo therealnewsnoonewantstoshowyou.bs, que o 5G dá COVID ou que as vacinas dão autismo ou que comer porco dá sida, sei lá… Inventei esta.

 

É um problema preocupante, que retira a confiança de instituições que devem ser desafiadas, por quem percebe do que fala, mas não descredibilizadas à conta de alguns erros, e parece-me advir de mais que um factor. Fui procurar e encontrei estudos que apontam para a minha intuição… Sempre me pareceu estranho… Parece que as conspirações vêm em pacotes de três ou quatro. Quem acredita nas mais malucas acredita em todas abaixo. Não é bem assim mas a verdade é que estudos indicam que pessoas que acreditam numa conspiração têm mais probabilidade em acreditar noutras. Mas porquê acreditar numa? Ou em tantas?

 

Ao longo dos tempos a nossa espécie foi evoluindo de forma a que pudéssemos encontrar padrões nas coisas e perceber como eventos podem estar relacionados uns com os outros, tendência essa que também nos leva a encontrar padrões e ligações onde não existem. Este enviesamento de encontrar padrões deixa-nos mais susceptíveis a teorias da conspiração porque elas oferecem uma explicação simples para uma questão quase sempre demasiado complexa para ser entendida por uma pessoa normal. É estranho para nós pensarmos que há coisas que acontecem por acaso, faz muito mais sentido que haja uma razão ou, no mínimo, alguém a quem culpar.

 

Por detrás disto, é como se houvesse uma crença pré-concebida de que o mundo é um lugar negro, muito negro, e que toda a gente no poder está lá para manipular, corromper e ganhar. Eu não penso assim. Eu parto do princípio de que as pessoas estão onde quer que estejam pela razão que anunciam e preciso de provas para pensar que, afinal… não é verdade. E essas provas não devem vir de conjecturas ou de misturas de cinco ou sete argumentos que culminam numa pergunta do género: “Então como é que tu explicas que…” A verdade é que, muitas vezes, eu não sei explicar porque é que determinada coisa aconteceu. Mas o meu não-saber não pode ser tomado como um argumento, e a certeza da outra pessoa também não.

 

Um dos culpados é o viés de confirmação. O viés de confirmação acontece quando nós interpretamos a informação de forma a que confirme aquilo em que já acreditamos e rejeite aquilo que a desafia. Somos todos vítimas disto, eu sinto-o a acontecer comigo mesmo, como se fosse uma peça de teatro que a minha mente ensaiou para mim, e tenho de me esforçar para a contrariar… e muitas vezes não consigo, claro.

 

Mas a diferença, nestes casos, é que estas pessoas ignoram a comunidade científica, mas são capazes de dar atenção total a quatro ou cinco pessoas que têm uma opinião que confirma a visão do mundo que eles têm. E no mundo da internet, é possível encontrar quatro ou cinco pessoas a dizer seja o que for.

 

Além desta visão quiçá mais negativa do mundo, parece-me que o que está por detrás desta filosofia é uma necessidade das pessoas se sentirem especiais, mais espertas que os outros, mais iluminadas, até. Adquirem uma informação qualquer num qualquer sítio obscuro e sentem-se como vendo uma luz num túnel que o comum mortal, estranhamente, nem sabe existir. Chamam-nos de ovelhas sem perceberem que depender de resultados objectivos, observáveis e replicáveis é uma qualidade e não um defeito. Identificam-se, portanto, com estas ideias que têm o privilégio de deter e lutam por elas com afinco, pois desistir seria entregar-se à aborrecida normalidade. Lutam mais por estar certas do que para progredir e melhorar.

 

Ao longo da minha VIDA fui um pouco assim com outras noções ou opiniões, mas hoje sinto-me no caminho certo. Percebi que eu estar errado não significava que eu era errado.

 

Então, para quê perder tempo com estas pessoas com ideias estapafúrdias? Porque elas merecem. O nosso objectivo não deve ser aquele de estar correcto, mas de perseguir a verdade, ou o mais próximo disso. E se achamos que temos a verdade num determinado tema, não devemos ser egoístas com ela. Devemos partilhá-la, porque as outras pessoas merecem o nosso tempo e a nossa informação. Claro que temos de nos preservar, bem como os outros, e não nos desgastarmos em demasia, nem aos demais. Não acho também que devamos bater à porta dos outros para apregoar a verdade mas também não nos devemos coibir de falar se a verdade d’outrém bater à nossa.

 

Devemos ter calma e compaixão.

 

E não devemos abrir excepções. Da terraplana às conspirações capitalistas norte-americanas, devemos partilhar aquilo que tomamos como verdade. Porque se banirmos temas, por mais resolvidos que estejam, estamos a fazer aquilo que, provavelmente, criticamos.

 

Finalmente, uma das principais razões pelas quais devemos partilhar o que tomamos por verdade é porque, por vezes, somos nós que estamos errados.

Leave a Reply

Your e-mail address will not be published. Required fields are marked *