Estórias em Vão [2007]Ficção

Sentir…

Ele só queria sentir. Nada mais interessava. Perdera-se há muito tempo de si próprio, por caminhos que escolheu sem saber. Agora, que se encontrara de novo, queria ficar consigo. Estando perto do fim (que tipo de fim?) aprendes a saber o que realmente é importan­te. E ele aprendeu. E para ele, o mais importante era sentir. Sentado no computador a escrever sobre si próprio levantava-se da cadeira e ia lá fora, sentir. Sim, sentir.

Respirava e sentia o aroma dos eucaliptos, que lhe preenchia os pulmões e o lembrava de casa. Arregaçava as mangas e sentia os pe­los arrepiarem-se com o Vento frio e agradável (sim, agradável) que passava. Levantava o braço e olhava para ele, concentrando-se em cada pêlo levantado, qual floresta enraivecida. Entretinha-se com sua própria visão. Enquanto ouvia as árvores dançar ao som do Vento inspira-se naquele cocktail de sentimentos e prepara o último. Sai da varanda, liga a aparelhagem, Jeff Buckley, desce à cozinha, põe três pedras de gelo num copo, uma rodela de limão, um palito longo e enche o resto com Martini Bianco. Com este na mão sai ao terraço da cozinha e senta-se, a apreciar cada segundo.

“O mundo dá muitas voltas, mas nunca anda para trás” [M.M.] – não precisas de andar para trás. Agora sei. Não pares. O que acon­teceu no passado fez-me aprender, e aprender fez-me estar aqui, sen­tado, a… sim, apreciar. Quantos segundos, minutos, horas, VIDAS! (!!!) passam sem tu te sentares lá fora a sentir seja o que for? Claro que és diferente de mim, não precisa de ser lá fora, não precisas de ter um Martini, só precisasavas de gostar! De qualquer coisa caramba! De certeza gostas de qualquer coisa! Não sabes bem ao certo não é? É isso mesmo (!), é a esse “não saber que me refiro”.

Chega a alturas em que é tarde de mais… já estou a dizer asneira. Nunca é tarde, mas quanto mais tempo passa mais uma pessoa se arrepende do que deixou passar sem dar importância às coisas que realmente são importantes.

– Querido, acorda, estavas dormir agitado, a falar rápido, fiquei preocupada, tiveste um pesadelo? – a mesma pergunta de sempre. E eu, como sempre, incapaz de lhe explicar que o pesadelo era quando acordava, tudo o que se passava quando dormia era uma ilusão, uma ideia de VIDA que nunca chegara a ter. Porque afinal não aprendera a tempo (mas não vamos sempre a tempo?…).

Quando acordava e olhava para mim próprio, mexendo com difi­culdade o pescoço. Olhava para ela e via a razão para agarrar-me uns momentos mais a esta VIDA, tão miserável que nem estava em meu poder acabar com ela. Olho pelo meu corpo sem VIDA, paralisado e sem sentir, e sinto que não sinto, que talvez nunca tenha mesmo chegado a sentir.

Se calhar às vezes é mesmo tarde de mais…

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