Estórias em Vão [2007]Ficção

Passagem de Ano

– Conta lá como foi duma vez por todas, mulher!

– Ai… Tão lindo… – deixa escapar Laura, num enésimo suspiro. Esse suspiro tinha um nome, Filipe… Conhecera-o nessa passagem de ano, de 2004 para 2005, na discoteca que tinham escolhido para a festa.

– Ok, foi na passagem de ano, isso já sabes… [pausa] Sabes, estáva­mos sem saber onde ir quase até à última hora, e acabamos por nos decidir a ir para lá, e foi uma escolha tão acertada…

Apesar de ter sido contra a sua vontade que iam para aquela dis­coteca, Laura teve de ceder, já que ir sozinha para outro sítio estava fora de questão.

E foi assim que, depois dos lábios pintados, rímel, alguma base na face, perfume, e uns brincos criteriosamente escolhidos, saiu para a “Pre-Party” em casa de Ana, sua melhor amiga. Lá estavam os seus amigos quase todos, que não eram muitos (apenas sete), mas eram bons. Ana vivia no Búzio, na mesma cidade que Laura, Vale de Cambra. Seus pais tinham ido para o Furadouro com seus tios e esta aproveitara o facto de ter a casa para si.

Entre jogos de bilhar, copos de vinho, cigarros e cigarrilhas, con­versas amenas e brandy, as horas foram passando, e com elas o ano de 2004 acabou. 5, 4, 3, 2, 1, bom ano novo… Esquecera-se de resolu­ções de ano novo e decidira simplesmente viver à sabor da corrente e acabar com os “este ano vou deixar de fumar, vou ser mais paciente, blá blá blá…”.70

– E se fôssemos andando para a Sem Nome? – “Sem Nome” era o nome da discoteca para onde iam. O relógio anunciava serem duas horas, e já era mais que tarde para irem. Não demoraram mais que dez minutos a chegar a Algeriz, sítio onde era a discoteca.

Após entrarem, dar o bilhete, procurar um sítio para guardar o casaco e ir buscar uma bebida – foi aí que ela o viu.

– E agora é que vais ficar admirada!

– Com quê?

– Já sabes que eu o conheci na discoteca, agora o que não sabes é que ele trabalhava lá!

– Não!

– Sim!

– Então, mas como?

Filipe, rapaz de boas intenções mas longe de ser um empregado eficiente, supostamente andaria a apanhar os copos que as pessoas deixavam pela discoteca, mas estava mais preocupado em ter cal­ma no trabalho, divertir-se, dançar um pouco se possível. Contudo, num dos poucos momentos em que estava realmente a fazer algo útil, pegou num copo que tinha ainda um pouco de líquido no fun­do, para o levar.

– E foi aí, nesse momento!

Laura toca no ombro de Filipe, já que o copo que este tinha na mão lhe pertencia e ainda ia beber aquele restinho. Filipe olha para trás e houve aquele “clic”. Aquele “clic” que acontece quando duas pessoas com uma afinidade inexplicável se vêem. No momento em que Filipe olhou com seus olhos grandes e negros, esboçando o seu sorriso de convencido mas charmoso, Laura sentiu um calor descer desde o peito ao ventre.

Filipe sentiu o mesmo, apesar de o ter disfarçado na perfeição. Nunca baixava aquele ar de rapaz com autoconfiança inabalável, e era isso que o fazia tão irresistível.

Como o olhar que trocaram foi seguido de um sorriso que falava, não foram precisas palavras para fazerem o outro perceber da atrac­ção instantânea de cada um. A partir desse momento procuravam-se com o olhar com frequência, Filipe ora aparecia ora desaparecia, de vez em quando surgia por trás, subtil punha sua mão na cinta de Laura e dançavam uns segundos, até que o rapaz tinha de desapare­cer novamente.

– E foi assim toda a noite! Não imaginas a sensação… Não sei porquê, curti imenso aquele jogo de sedução. E o rapaz era tão arro­jado… Sem falarmos sequer, ele percebeu tudo o que pensei. E sem falarmos nada aparecia, tocava-me, dançava comigo…

– E no final?

– No final, ainda sem dizer nada… [suspiro] Não sei, olha, veio ter comigo, deu-me um beijo nos lábios e deixou-me um copo na mão com um suporte de cartão. E desapareceu outra vez, pela última vez. Não o vi mais nessa noite e quando pensava que tinha desistido de mim, após findar o gin tónico que me ofereceu reparo que, no suporte de cartão estava…

– O número dele…

– Sim…

– Já ligaste?

– Ainda não…

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