Estórias em Vão [2007]Ficção

A Decisão – Parte Zero [antes da tomada desta]

– Então boa viagem, meu, e cuidado com as gregas! – disse-me Ricardo, enquanto se despedia de mim no aeroporto. Eu tinha “aca­bado de acabar” o curso de Engenharia Civil e ia agora passar umas semanas na Grécia, tinha ganho a viagem e os bilhetes como prémio do projecto mais futurista, num desafio levado a cabo pela univer­sidade.

– Obrigado, e livrem-se de fazer aquela orgia sem mim! – res­pondi, com um sorriso, afastando-me. No aeroporto estavam An­dré, Bruno, Ricardo e suas respectivas namoradas, Andreia, Filipa e Mariana. Sem namorado estava Graça, cujo namorado ia de viagem para o estrangeiro nesse dia (sim, era eu) e Paulo, que tinha acaba­do uma relação fazia quinze dias. Tinha dito isto das orgias porque desde sempre brincamos com o facto de sermos um grupo de casais, dizendo que deveríamos fazer uma orgia todos juntos. Contudo, em algumas vezes pareceu-me que havia pessoas que me pareciam querer mesmo. Mas claro, era só impressão minha. Estava a ser estúpido, injusto e ingrato.

Porquê ingrato?

Houve uma altura na minha VIDA em que estava na merda… Completamente arrasado com uma série de desilusões, já tinha per­dido a esperança para quase tudo, limitava-me a existir, viver era impossível para mim. Foi então que conheci Graça, num dia em que insistiu em tomar café comigo. Eventualmente a relação foi crescendo e começamos a namorar. Apresentou-me os seus amigos, que meus se tornaram também. Com uma cumplicidade enorme e dispostos a 66

darem sempre tudo o que o outro necessita, rapidamente me inseri naquele grupo coeso e divertido. Conheciam-se todos faziam muitos anos, tinham feito a universidade juntos, mas esforçavam-se para não me fazer sentir que “tinha vindo depois”.

Caminhei em direcção à porta de embarque, dizendo um último adeus ao pessoal e ao meu amor.

O congresso foi, para surpresa minha, do mais aborrecido e de­sinteressante que poderia haver. Durou uma semana, só tinha o voo de regresso daí a onze dias. Assim, aproveitei uma semana de férias, durante a qual calcorreei Atenas e arredores, ficando bem impressio­nado, apesar do aspecto velho de muitas ruas. Consegui antecipar o meu voo quatro dias e fiquei logo a pensar na cara de toda a gente quando eu aparecesse de surpresa, com um monte de prendas! Seria divertido.

Assim, apanhei o avião e cheguei passadas oito horas de viagem. Transbordos, esperas e atrasos faziam esta viagem bastante aborrecida.

Chego, apanho um táxi até casa. Pago um balúrdio, mas não me apetecia minimamente esperar pelo autocarro. Quando chego a casa, tomo banho, desfaço as malas, arranjo-me, meto os presentes na mala do carro e vou a casa de Graça. Contudo, quando toco a cam­painha, ninguém atende. O mesmo se passa quando vou a casa de Ricardo, André… Como era um Sábado penso que podem ter ido passar o fim-de-semana a qualquer lado.

Ligar-lhes estragaria a surpresa. Assim, ligo para a mãe de Graça, que me diz terem ido passar o fim-de-semana onde tantas vezes va­mos. Sim, porque não tinha pensado logo nisso? Uma casa na Serra que tantas vezes alugamos, quando S. Pedro nos presenteia com um fim-de-semana mais solarengo.

Meto-me no carro e estou lá em meia hora. Bingo! Os seus carros estão estacionados cá fora. Saio do carro, visto uma camisola de lã, amarela (faz mais frio na serra, apesar do sol) e dirijo-me à casa. Tiro 67

as chaves do bolso, e abro a porta. Decidimos fazer uma cópia para cada pessoa logo da segunda vez que fomos para a casa.

Ouço música muito alto, um pouco mais pesada do que costu­mamos ouvir. Bastante fumo, parecem estar a fumar ganza. Acho estranho, só por duas ou três vezes eu havia fumado com Graça, seria estranho que estivesse a fumar agora. Começo a sentir o peito quen­te. Percorro o corredor e encontro na sala André, Filipa e Mariana. Os 2 primeiros estão completamente nus, a jogar consola. Sentada à sua direita está Mariana, vestida apenas com um soutien, e olha-me de boca aberta. Quando se apercebem de que estou lá, André e Filipa rodam a cabeça, olhando-me estupefactos.

– Meu, que fazes aqui?… – pergunta-me André. O sangue sobe-me à cara, rezo em silêncio para não acontecer o que estou a prever. Volto-me, dirijo-me ao quarto maior, de onde vêm sons de música, gritos, gemidos… Vejo a minha VIDA em câmara lenta, os meus movimentos como que gravados. A minha mão que agarra o puxa­dor dourado, este a ceder, abrindo a porta de madeira escura. Entro e vejo… Deitado no chão Ricardo, a fumar um cigarro, todo nu, com Andreia deitada também nua, apoiando a sua cabeça na barriga do amigo. Na cama, Bruno, deitado por baixo, e Graça, nua da cinta para baixo, mas com uma blusa fina, ajoelhada por cima dele, com uma perna para cada lado de seu corpo movimentando-se frenetica­mente para a frente, para trás… Sinto uma explosão por dentro, não acredito no que os meus olhos vêem, mas fico em silêncio. Precisam de mais de meio minuto para se aperceberem da minha presença. É Graça que, enquanto abanava a cabeça à medida que se aproximava do orgasmo, me vê…

Pára completamente e diz meu nome, com os olhos muito aber­tos. Toda a gente pára e olha-me, sem saberem porque caralho estou ali. Não consigo a imagem que queria e desmancho-me em lágrimas silenciosas que escorrem pela cara, esborrachando-se no chão.

– Xavier por favor não me odeies! Isto não significa nada, isto é só sexo! Nós sabíamos que tu nunca ias querer participar, por isso não te dissemos nada! – Grita, abraçada a mim, chorando. Não mexo um músculo. Apetece-me dar-lhe uma valente bofetada e matar os outros ao soco. Todavia, respiro fundo, agarro Graça pelos braços e empurro-a para trás, fazendo-a cair desamparada na cama. Volto as costas e vou.

Não paro na sala com medo de me descontrolar, meto-me no carro e choro, enquanto conduzo o mais rápido que consigo. Não tenho nenhum amigo que me conforte, vou para casa de meus pais. Estaciono o carro violentamente, abro a porta e saio. Meu pai, que com certeza ouvira o barulho dos travões abre a porta, ainda em robe. Abraço-me a ele, choro compulsivamente, contando entre so­luços o que me havia passado.

Ele fica calado a ouvir tudo e quando acabo, espera uns longos dois minutos e diz-me calma e friamente:

– Filho, a culpa é toda tua… De certeza que nunca soubeste fodê-‑la como queria… – largo-o naquele segundo. Olho seus olhos frios, quase prazeirosos com aquela lança que me havia espetado no cora­ção. Não acredito no que me acontece, sinto-me a personagem de um livro, o mais dramático possível.

Contudo, minhas lágrimas param, conformo-me. Vou para casa, juro que nunca mais choraria por ninguém, passo toda a minha VIDA em revista, as desilusões que tenho tido, umas atrás das ou­tras, chego às conclusão que as pessoas são lixo, preciso de encontrar outra maneira de ser feliz, preciso de tomar uma decisão.

E tomo… Juro a mim mesmo que a partir desse dia nunca mais teria uma relação com ninguém na minha VIDA…

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