Desalinho [2009]Ficção

Hooked

            Sento-me sempre no mesmo lugar nestas ocasiões. Vejo as pessoas passar, vejo os sorrisos estampados na cara de toda a gente, numa estúpida tentativa bem sucedida de fazer inveja a todos os restantes mortais que, como eu, os vêem passar, altivos e felizes, desfilando imperiais e triunfais pelo meio da população, que entusiasticamente aplaude. Aperto um pouco mais o casaco, está frio. Sinto o Vento entrar pelos buracos que explicam a idade da peça. Aquela tem, de certeza, vinte e seis anos!

            Compareço sempre nos preparos. Ou invento uma desculpa, ou escondo-me atrás desta ou daquela coluna, vendo tudo o que se passa, absorvendo a alegria que os outros sentem. Contudo, não consigo. Quero absorver essa alegria para mim, mas chega pouco, muito pouco. Como um vírus, ou uma droga, come-me mais um pouco, vandaliza-me totalmente. Após umas dezenas de anos, apenas recentemente descobri

que as razões que eu própria me oferecia eram nada mais que as desculpas de quem, desesperadamente, preferia toldar a realidade a levantar a cortina e espreitar… Era-me difícil admitir. Tão difícil.

            Não sei porquê, Deus castigou-me com… não sei, uma cara, um corpo, seja o que for em mim, que sempre manteve os homens a milhas. Mentia, dizendo às minhas amigas que simplesmente não queria, mas a dor que sentia era quase insuportável.

            Como disse… como qualquer droga, a primeira vez foi fantástica! Tinha trinta anos, e vi a igreja apinhada. Entrei, assisti a toda a cerimónia. Ia-me embora, quando alguém me abre a mão, deitando uma porção de arroz. Não sei o que me levou a fazê-lo, mas não disse que não, e sorri com toda a força que podia, como se fosse a minha própria irmã que se estivesse a casar. Esperava ansiosa à saída, as pessoas ladeavam-me, cada uma pensando que eu seria amiga de um ou outro noivo e eu, estupidamente, não desmentindo. Quando a vi caminhar, deslumbrante, chegou a mim uma energia inexplicável, os meus sentidos foram esquecidos e voei para dentro do seu corpo. Nesse momento, ela era eu, e eu, que era ela, era alguém triste, sem amigos… infiltrado num casamento.

            Tudo passa depois, e depois da energia, da alegria, vem a depressão, o sentimento de culpa, a vergonha. Sinto nojo de mim em ter feito o que fiz, sinto vergonha por me ter humilhado daquela forma e ter descido tão baixo, e convenço-me sempre que é altura de ter juízo e que foi a última vez. Aguento uns dias, até que, em amena conversa com o espelho, digo-me que vou apenas ver se alguém se vai casar, para provar a mim mesma que vou ser forte e não vou ceder.

            Mas.

            Vai ser a última vez. Prometo que vai ser a última vez.

Leave a Reply

Your e-mail address will not be published. Required fields are marked *