Desalinho [2009]Ficção

Sentir

Banda Sonora

Um segundo… tudo começa. Como que um início do fim desde sempre desejado. A VIDA não lateja em mim. Caminho pelas ruas e vejo-me desaparecer um pouco por todo o lado. Volto-me para trás e procuro um vestígio de um “eu” desaparecido. Olho para as pessoas que passam por mim na rua, pergunto-lhes, com o olhar, por mim, se me têm visto… ninguém responde. Nunca ninguém responde. É-me inútil comunicar, tentar fazer-me valer no meio de tanta paixão desalinhada. Ouço bater em mim os passos da música, lá longe, que ouvi nesta manhã e não consegui esquecer.

            Dois segundos. O voo pede mais, eu peço mais. Sempre pedi mais, sempre tive tudo. Mergulho em mim, agarro a minha frustração, e critico a minha própria incapacidade em amar tudo o que me deram. Tenho de ser castigado por uma falha tão minha, desde sempre tão minha… em não conseguir apreciar nada da VIDA?

            Dois segundos e meio. Pena de não me sentir, nem no derradeiro momento, em que tudo deveria ser importante, e estupidamente nada o é. Viajo dentro da mente das pessoas de quem mais gosto… não… das poucas pessoas que não me são indiferentes… procuro um objecto sólido, na mente e na memória de cada, que os faça lembrar-se de mim e sorrir, e não consigo encontrar nada. Vejo reticências que não acabam dentro de toda a gente de quem já, alguma remota vez, gostei.

            Quase três segundos. Vejo à minha frente o futuro, como uma gigante bolha cheia de nada, onde mergulharei sem nunca mais acordar. Vejo esse futuro como uma simples ausência de presente. Na desenfreada corrida que sempre tive de apenas sentir algo dentro de mim, ganhei o medo de realmente o fazer. Cedo caiu em mim a consciência de que sentir estava a milhas de distância. Nada chegava à minha pele, nada entrava dentro de mim. Daí veio o medo. O que sentiria se descobrisse alguma vez que sentir, realmente, estava ao meu alcance?

            Três segundos. Agora sei. Tenho sensações, mas que morrem sem deixar qualquer descendência em forma de sentimento. Tudo o que senti nesta corrida, esqueci no milésimo de segundo seguinte, partindo para um qualquer lugar em mim que nunca tive a coragem de conhecer. A minha existência sem cor cai no rio d’ouro. As sensações cessam, os sentimentos permanecem nulos.

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