Desalinho [2009]Ficção

Cruel

Banda Sonora

– Sabes que eu gosto muito de ti, não sabes? – estávamos sentados em Coimbra. Curioso como posso dizer isto das duas maneiras… Estávamos sentados, em Coimbra. E estávamos sentados em Coimbra, de certa forma, pois diante de nós, estendia-se a Cidade, em todo o seu esplendor e romantismo. Romantismo. Acho que foi isso que me levou a agir como agi. Ou melhor, a fazer o que fiz. Estou confusa. Foi isso que me levou a arriscar. Deixei esse romantismo penetrar bem dentro de mim, e pedi-lhe para descermos até à rua. Achei que o fez a contra gosto. A festa estava animada, e eu, sinceramente, nunca achei que ele estivesse interessado em mim. Contudo, descemos, sentamo-nos no muro, e à medida que ia abrir os lábios para lhe dizer qualquer coisa, ele levanta o indicador, olhando-me bem fundo nos olhos. Não falo. Não tanto por ele ter pedido, mas porque todo o ar que tinha dentro de mim sai subitamente, à medida que o vejo aproximar-se. Tento concentrar toda a minha energia nos meus lábios, todo o meu ser, todo o meu sentir. Mas ele faz um pequeno desvio, e abraça-me. Sinto-o quente,… sentia-o quente, mas sentia fria a maneira como as suas mãos tocavam as minhas costas.

– Sabes que eu gosto muito de ti, não sabes? – diz-me então – Terás sempre um lugar especial no meu coração, como a amiga que eu nunca vou perder!

Passado uma hora eu permanecia no mesmo sítio. Ignorei os seus pedidos para ir para cima, disse que não estava a fazer birra, e acho que só o percebeu realmente quando o olhei e supliquei, com os olhos, imagino, a transbordar, para ir embora.

Via, de vez em quando, alguém a espreitar por detrás da cortina a rir, e ele a afastá-los, com cara de chateado. Olho para trás, as lágrimas percorrem a minha face. Cansa. Olho para trás, começo a sentir as ondas de som embater no meu corpo, a festa começa… começava. Cansa. Cansa ser assim, cansa ter sempre o mesmo tipo de relações. Sou sempre a melhor amiga de toda a gente, mas nunca sou o que realmente quero ser para ninguém. Chego a casa. Agora sim, o presente. Chego a casa, dispo-me.

– Não ias à Queima?

– Estou doente – largo, com voz chorosa. A mensagem é recebida, e sou deixada em paz. Olho-me, nua, ao espelho. Tento olhar mais fundo, o mais fundo que posso, cerro os olhos, mas não me consigo ver, não consigo ver a minha alma. Olho no espelho e não me vejo, como posso esperar que os outros o façam?

Sinto como uma injustiça inqualificável o facto de ser julgada e (não) amada apenas pelas fronteiras do meu corpo. Sou amada pelo que sou por mais gente do que preciso, não sou amada por ninguém da única maneira que preciso.

Receio que o que sempre amei em mim, o meu espírito, possa apodrecer fruto do que os outros não amam em mim.

Leave a Reply

Your e-mail address will not be published. Required fields are marked *