Textos

Dualidades

Nós não passamos momentos. Não passamos por momentos nem eles passam por nós. Os momentos são peças que existem à solta e à espera. À espera que os abracemos e não que passemos por eles, mas que sejamos eles. À solta, esperando prenderem-se ao que somos e à maneira como definimos as coisas.

Os momentos são presentes que andam perdidos e não podem esperar pelo abraço que lhes atribua uma razão de ser. Os meus momentos são músicas e viagens, pessoas e fantasias. Estradas que me deixam mais perto de onde não sei e mais longe de onde talvez queira fugir. Os momentos são sorrisos em câmara lenta ou Ventanias, areia nos pés ou olhos com sol.

Os momentos andam sempre por aqui, à minha volta, em quase todo o lado. Os momentos são fáceis de criar mas, por vezes, difíceis de ver. De vez em quando é preciso que nos deixemos conduzir para longe, que abramos a porta da nossa alma para as coisas. Porque os momentos de todos os dias ficam cansados e os nossos olhos desabituam-se de os ver. Voamos então para longe e, como miúdos sem destino, sentimos mais os momentos que estão ali ao fundo.

Talvez sinta mais os momentos quando estou ali ao fundo, ou quando penso em lá estar, é verdade. Gosto de lá estar porque as coisas são mais diferentes. E quando estou aqui perto, tento que o meu instável interior me permita a diversidade que o mundo me oferece e consiga sentir assim cada momento. Mas é difícil. As mesmas paredes todos os dias podem acabar por se abater sobre mim. Quero ter dentro de mim a noção de cada momento, um sorriso escondido e uma memória à espera de nascer. Mas nem sempre é possível, e não sei se aceite isso e continue a lançar-me lá para o fundo à procura de memórias, ou se deva insistir em tentar fazê-las vir de dentro de mim.

Não…acho que é impossível. Nunca me satisfarei tanto quanto o mundo o faz, e tentar lutar contra isso não é justo para comigo mesmo. Gostava, porém, de ter as duas capacidades. De abraçar cada dia quando estou cá perto como faço quando estou lá ao fundo. No fundo… tenho medo. Tenho um medo terrível de assentar e de me aborrecer. Tenho medo que o aborrecimento me ofereça um cobertor para o Inverno e ele se cole à minha pele. Tenho medo de deixar de sentir as coisas. A viagem oferece-me tanto que, não fosse o amor que recebo cá perto, perdiame para sempre. Ah, sei lá… será que quereria isso? Perder-me para sempre?… Às vezes sinto inveja quando ouço histórias de pessoas que viajam anos a fio. É uma inveja que aparece assim de surpresa, pelas costas, e me dá uma lapada na cara antes que eu saiba que raio aconteceu. Mas não é uma inveja que depois da chapada fique para tomar café. É uma inveja que se vai embora e acaba por dar lugar ao sentimento de pertença que tenho em Portugal, ou em Vale de Cambra. Será que quem viaja para sempre está à procura de algo que já tenho?… ou será que questiono isto apenas para justificar a minha maior sedentariedade? Nem sempre sei o que quero da VIDA, e sei que não sou, nem nunca serei, exactamente livre. Mas tudo bem. Apesar de achar que podem ser livres de o fazer, acho que as pessoas são demasiado levianas com o uso da palavra liberdade.

Creio que nunca serei livre enquanto tiver esta ou aquela obrigação, ou até esta ou aquela ligação com alguém. Mas não sei… pensar no conceito de liberdade dá-me a volta à cabeça. Ia dizer que sempre que não me apetecer ligar a alguém para dizer que está tudo bem comigo e ainda assim o faço, que estou a abdicar da minha liberdade. Mas no fundo… não estou a escolher fazê-lo? Não estou a ir contra o meu ser ao ligar, sem me apetecer, a alguém que pode estar preocupado comigo. Talvez haja a liberdade absoluta e liberdade relativa. Liberdade absoluta sendo aquela em que fazemos exactamente aquilo que queremos fazer, quando o queremos fazer, liberdade relativa sendo aquela em que fazemos algo que não
queremos fazer no momento, mas porque escolhemos anteriormente ter um determinado compromisso. Mas reconheço que parece fácil esticar este conceito de liberdade relativa e fazermo-nos crer que somos relativamente livres quando realmente não o somos de maneira nenhuma. Porque há coisas que fazemos
porque temos de as fazer e porque assumimos um compromisso… mas que vão contra o nosso ser – e acho que o que vai contra o nosso ser retira-nos a liberdade, seja ela qual for. Um pai que tenha um emprego que odeia para pagar a escola aos filhos está a fazer uma coisa eventualmente admirável (digo eventualmente pois por vezes há alternativas mas as pessoas são cobardes para mudar e usam estas desculpas) mas não está a ser livre. Lamento, mas não está. E quem nem tem nenhuma destas responsabilidades mas ainda assim escolhe fazer algo que não aprecia, mas porque é mais fácil, convence-se que foi livre de escolher, mas será que não está preso, acorrentado, pela preguiça ou medo de seguir aquilo que realmente gostaria de fazer? É que arriscar-se à felicidade é complicado. As pessoas habituam-se à ideia utópica da felicidade e como se convencem de que um dia será possível, talvez, quem sabe, alcançá-la, isso acaba por ser tudo o que conhecem. Se eu me habituo a pensar no quão feliz serei, essa noção é tudo o que conheço. Se arrisco chegar lá… e depois? Em que mundo mergulharei? Não sei como é ser feliz, nem sei como é falhar ao tentá-lo… O medo do desconhecido arrebata-nos.

Liberdade… não, não sou exactamente livre. Pelo menos nem sempre. Tenho um emprego que me permite umas condições espectaculares, e gosto do que faço. Fui livre de escolhê-lo… mas nem sempre me apetece vir para aqui, e venho na mesma. Os compromissos previamente adquiridos… Quero dar mais um passo, quero subir mais uns degraus dentro de mim e poder abdicar completamente de coisas que vão contra a minha natureza em determinado momento. Não quero lançar o meu corpo para outro país se não me apetecer naquele momento, que é o que esporadicamente faço hoje em dia.

Quero para a minha VIDA teclados, páginas, mundo, amor, crias, amigos e família. Acho que me chega.

22h23, 3ª, 20 de Agosto de 2013
Birmingham, Inglaterra

Leave a Reply

Your e-mail address will not be published. Required fields are marked *