Textos

Encruzilhadas

Estou num daqueles dias em que o futuro parece mais torto. Vejo uma estrada que vagueia por dentro de mim, exalta-se e troca-me as voltas, perde-se na bruma e deixame esquecido. Não me acalmo, porque não me chego a enervar, mas sinto o peito pesado e a respiração mais quente. Tantas ideias, tantos projectos, tantos planos.

O meu trabalho em Inglaterra, de condição espectacular, deixa-me por vezes inquieto, perante o carácter provisório que parece ser eterno. Ir e vir e ir e vir dá-me a liberdade à qual me habituei como ao respirar. Onde vou a partir daqui? Que é que posso fazer a seguir, quando tenho tanta liberdade?… tanta percepcionada liberdade…

Este desejo de não ter correntes acorrenta-me pois as soluções mais óbvias já as esqueci… e então vejo-me numa encruzilhada onde, para em frente seguir, tenho de mergulhar num líquido de densidade desconhecida. Querer abdicar de me prender, tanto me abre os olhos como me prende a um objectivo, que se pode compor de mil maneiras e eu não sei qual é. O mundo e o coração guiam-me os movimentos e os sentidos, e as palavras querem fazer-me ver que será possível delas viver. Será possível? O talento ora aparece, ora desaparece, um falso amigo com quem penso contar mas que comigo nem sempre conta.

O mundo e o coração guiam-me os movimentos e se um, de fora para dentro, me pede para ir, o outro, de dentro para fora, dizme para ficar. São palavras e emoções que me vêm das veias. Perdem-se nesses vasos sanguíneos e apenas por vezes as consigo apanhar nos lábios. Estancar ali o sangue, ter no veículo da palavra falada o sangue estagnado que aguenta os meus desejos e receios.

O mundo guia-me os movimentos e eu gostava de seguir, levando em mim aquilo que nunca deixarei, trazendo comigo aquilo que foi ficando. Megalómano, antecipado, exagerado, penso que o mundo acabará. Triste e recolhido penso em desejados destinos e abate-se sobre mim um medo que, ainda que sabendo que não me deterá, traz o tal peso para o meu peito. Entrar mundo adentro tem algo de assustador. Conhecer algumas realidades torna a minha própria tão colorida quanto desleal, pois quanto mais realidades deixamos entrar em nós mais a nossa de dissipa.

Estou nesses dias em que o futuro parece incerto. Aprendi a aceitar esta diversidade de sentimentos e reflexões. Se dantes estarrecia-me, com medo de que o medo e a melancolia se instalassem para sempre, agora convido-os a ficar mais um bocado. Convido-os a emprestarem-me essas lentes que dão perspectiva a tudo. Convido-os sem os envenenar, pois completam-me. Não sei o que será de mim e tento dizer-me que talvez ninguém saiba o que será de si… como se isso me ajudasse de alguma maneira.

Oh, as complexidades do ser humano.

22h35, 6ª, 22 de Março de 2013
Birmingham, Reino Unido

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