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(Des)ilusao

I

[aconteceu tudo muito rápido. Num momento estava na minha terra natal, agora estou aqui, longe, porque tive de fugir daquilo tudo…]

No início achei estranho… O João sabia há quanto tempo gostava dele e nunca me dera a mínima importância, nem ao trabalho de me dar falsas esperanças se deu.

Contudo, dum dia para o outro começou a falar muito comigo, a insistir em beijar-me, tocar-me, movendo as coisas a um ritmo a que não estava acostumada. Mas gostava dele duma maneira de que nun­ca tinha gostado de ninguém, ele era o tipo de rapaz com que toda a rapariga de dezasseis anos sonha: inteligente, divertido, desportivo, toda a gente gostava dele, amigos, professores, raparigas, raparigas… Por isso mesmo senti-me especial quando ele reparou que eu existia e começou a querer andar comigo, estava feliz, muito feliz.

Como tanto dele gostava, não lhe negava nada, a ele me entregara de corpo e alma, imaginando que seríamos diferentes dos demais, e levaríamos este amor até à morte.

Fazia poemas, muito maus por sinal, que não mostrava a ninguém, sobre o nosso amor, sonhava com ele, queria-o de noite e de dia. Ele de vez em quando parecia distante ou aborrecido e eu questionava-o, se já não gostava de mim, mas ele dizia que sim, que eu é que não gostava dele, ou então já o tinha aceite… Ou seja, já teríamos tido relações… E assim, não muito tempo tardou e começamos a ter. Não falava disso a nenhuma das minhas amigas. Apesar de sermos todas raparigas sem grandes preconceitos, éramos todas virgens, e o sexo era algo que não fazia parte das nossas conversas.

João queria levar as coisas todas muito rápido. Tudo aquilo era novo para mim, não sabia nada de nada, e ele fez por me mostrar tudo, algumas coisas que aprendi, ou fiz só para o deixar feliz, não porque realmente quisesse. Mas era assim que eu ficava feliz, em fazê-lo feliz. Chamem-lhe simplicidade, eu chamava-lhe entrega, amor…

Com o tempo, aprendi a obedecer aos seus ritmos. Havia certos intervalos em que queria estar com os amigos, outros em que queria estar comigo. Havia certas alturas que queria fazer amor comigo to­dos os dias, outras em que não me ligava durante uma semana. Algu­mas amigas minhas avisavam-me, que aquilo não era normal, que ele não parecia gostar tanto de mim como eu dele… contudo, quando eu o confrontava com isso, ele respondia-me um tanto zangado que era simplesmente porque tínhamos uma relação dos tempos de hoje, em que os namorados não tem de se absorver um ao outro! Eu fingia que compreendia, mas à noite por vezes adormecia com lágrimas a viajar no meu rosto. Sentia-o distante, mas acreditava no seu amor.

II

Por vezes tentava-lhe fazer ciúmes, falava muito sobre determina­do rapaz, ou fazia comentários que poderiam ser suspeitos, mas ele parecia não ligar nenhuma!

Eu tinha duas opções: ou estranhar esta falta de interesse, ou ver isso como uma prova da sua confiança incondicional. Claro que a minha visão toldada pelo amor só me permitiu contemplar esta se­gunda hipótese.

Assim o tempo foi passando, e eu ia alternando a minha disposi­ção entre momentos de extrema alegria e extrema apatia. Chegava a pensar ser uma paranóica, porque por vezes quando passava pelo grupo de amigos do João, sentia que olhavam para mim e se riam, e que mesmo ele dizia coisas sobre mim. Claro que não era verdade, eu é que era uma tonta…

Contudo, com o passar dos tempos esta ideia começou a apode­rar-se de mim. Estava sempre a pensar naquilo, estava sempre a ver os rostos dos seus amigos a rir-se de mim, estava sempre a imaginar o João a falar aos amigos de como eu era na cama, das parvoíces que dizia. Quando lhe falava disso ele dizia que eu era parva e que ele não merecia que eu pensasse isso. Eu apercebia-me da minha estupidez e esquecia por uns dias…

Normal, oral, anal, tudo explorávamos, queria fazer tudo para o agradar. Não era falsa, sabia que também a mim me agradava, mas mesmo coisas como deixá-lo fazer o que queria de mim, ter orgas­mos onde quisesse, dar-lhe vinte minutos de oral, não eram propria­mente o que eu mais apreciava e mesmo assim eu fazia, sem pensar duas vezes, porque… simplesmente porque o amava…

Comecei a aperceber-me da mudança de atitude radical numa segunda-feira. Dum dia para o outro, deixou de me ligar, de estar comigo, dizia que queria espaço, e eu sentia-o desaparecer. Comecei a ver as pessoas olhar de lado para mim na escola, em algumas ruas. Sentia que falavam de mim. As minhas amigas arranjavam descul­pas para não estar comigo, fui perdendo tudo, dias após dia. Não compreendia o que se estava a passar, até que um dia o professor de Português vem falar comigo. Havia tocado para fora e eu arrumava a mochila quando se aproximou de mim…

– Joana, importas-te que eu tenha uma palavra contigo?

III

– Não, professor, diga…

Olha-me com uma cara que me parece um misto de tristeza, pre­ocupação, solidariedade, não sei bem. Abre a sua pasta e procura qualquer coisa dentro, enquanto me diz:

– Quero que tu tenhas calma, tudo se vai resolver. Juntos vamos poder encontrar uma solução para evitar piorar a situação. Quero que saibas que mal me apercebi do que era, desliguei completamen­te!

Neste momento tira da sua pasta uma cassete de vídeo, preta e sem etiqueta nenhuma. O meu coração disparou e comecei a sentir-me quente no corpo todo, quase tonta. Não podia ser o que eu ima­ginava! O professor liga a televisão, tira o som, mete a cassete dentro, carrega no play e vira costas. E pronto, foi nesse momento, nesse preciso momento que perdi toda a minha confiança nas pessoas, que deixei de acreditar em coisas como o amor, a bondade, todos esses sentimentos que só os desfasados da realidade conhecem.

Na televisão vejo-me a mim, sentada na cama do João, e ele a meu lado. Se não estava em erro tinha sido na passada semana. Estávamos vestidos, mas eu sabia ao que ia chegar aquele filme. Sentei-me len­tamente, em câmara lenta, como se a minha própria VIDA fosse um filme, tornada agora em filme de terror…

Sentei-me na mesa. Lá fora uns miúdos jogavam futebol com uma lata de Coca-Cola. Como queria ser como eles, sem problemas, a VIDA não pregava rasteiras destas. Não soluçava, mas lágrimas saí­am a toda a velocidade dos meus olhos, escorrendo pela face e caindo na mesa de madeira beije.

Sem olhar para a televisão, o professor pega no comando e desliga. Senta-se à minha frente e diz qualquer coisa. Qualquer coisa, por­que estou tão abstraída de tudo naquele momento que ouço apenas alguns ruídos, aos que, obviamente não respondo. Num momento, tudo fazia sentido, e num momento, não sei quantos anos envelheci. Sem as alegrias e tontices por que deveria ainda passar, fui directa­mente para a fase da amargura, para aí ficar, até morrer, creio…

O que veio depois, já se sabe… Não podia continuara a viver ali, numa terra onde toda a gente me tinha visto e o podia fazer quando quisesse a fazer o que eu menos queria que vissem.

Há todo o tipo de pessoas no mundo… Pessoas capazes de por coi­sas assim na Internet. Pensava que só acontecia aos outros… Mudar de cidade, esperar que alguém aí veja o filme, me identifique com ele e comece a espalhar… Mudar de cidade, tudo de novo, até que come­ço a mudar-me a mim, nome, aspecto, para poder ao menos libertar o peso de caminhar na rua e ver os outros a apontar para mim…

Pensava que só acontecia aos outros…

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