Estórias em Vão [2007]Ficção

Fugir

– O que fazemos aqui? – perguntava ela, enquanto bebericava o vinho tinto que ele tinha recomendado. Sentia-o passar pelos seus lá­bios, e pouco depois descer lentamente pela sua garganta, deixando na boca um sabor suave e discreto. Não estava quente, nem estava frio. Ela, Sofia, e ele, André, estavam sentados no capot do carro, um FIAT muito antigo de seu pai. Tendo apenas dezasseis anos, André não tinha carta. Mas isto era algo que tinham planeado já fazia al­gum tempo. Desaparecer, simplesmente.

A ideia tinha partido dele. Farto de todo o seu ambiente familiar, e farto de não poder estar com Sofia a todo e qualquer segundo, suge­riu, certa vez, em que descansavam nús no mármore frio de sua cave, fugir… desaparecer. Sofia não demorou a imaginar-se como uma personagem dum belo romance. Ébria que estava de paixão por este seu primeiro namorado, elevou um pouco esta ideia mirabolante de André, e planeou tudo ao pormenor. Foi quando apareceu, naquela noite de sábado, de saco feito, frente a André, que este percebeu como tinha sido a sua frase interpretada. Na verdade, o namorado nunca tinha pensado realmente nisso, era apenas das coisas que se diziam, que se queriam, mas que nunca iriam acontecer… até que a vê ali, com um sorriso tímido e receoso, que decidiu. O que tinha a perder? Escola, amigos?… Nada interessava assim tanto como estar onde estava naquele preciso instante, perdidos numa planície alente­jana numa madrugada de segunda-feira.

Ouviam Blue October, “She is my ride home”.

– Estamos a ir para casa, cada vez mais. – diz, calmamente, num tom de voz completamente hollywoodesco.

“I’ll be reaching for the stars with you honey, Who cares no one else believes (…)I told told you we’d do it (…)We drive, To leave the past,And clear the mind,To watch the sunset set its time (…) Now closeyour eyes, It’s getting dark and the highway’s clear, No sign of LIFE,from front to rear, It’s just you my dear, On the ride home, We’regoing home.”

Na verdade sentiam-se cada vez mais perto de casa. A casa de An­dré, não era, sem sombra de dúvida, o sítio onde crescera… a casa deSofia não era, sem dúvida, o sítio onde crescera. A casa de cada umera dormir no banco de trás dum carro velho e feio, a tremer defrio, mas com o coração quente da presença do outro. Ia durar pouco,sabiam… ou melhor, André sabia. Não tinham dinheiro, não tinhamprovisões. Punham gasolina e fugiam, roubavam nos hipermercados, etinham, de certeza, a polícia à procura “do casal de Viana doCastelo que fugiu de casa”.

Já Sofia acreditava, talvez sem se aperceber, que tudo aquilo iadurar para sempre. Por isso sentia em si a felicidade de umaaventura eterna.

André contempla o céu, que ameaçava chuva, e pensa. Vê pequenaslinhas brancas, numa tentativa frustrada que a lua fazia deiluminar quem precisasse, e pensava… Pensava no quão bom eraestar ali, e em como o facto de saber que ia durar pouco temponão o perturbava. Queria, claro que queria… mas não o per­turbava porque convencia-se que o que interessava, realmente,naquele momento, era… estar ali. Simplesmente.

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