Estórias em Vão [2007]Ficção

Gambler

Sonhei toda a noite com aquilo. Sei que desta vez vai ser diferente, é muito azar para uma pessoa só! Vai dar a volta, tem de dar a volta! Já estive a ganhar, já estive a perder, e consegui estar a ganhar outra vez! Agora sei que vou conseguir dar a volta, tenho de conseguir!

Levanto-me, lavo a cara, não tomo banho nem almoço, não há tem­po a perder. Dirijo-me ao Luís, ele tem de ajudar-me, ele sabe que se me ajudar também se ajuda a ele! Ali está ele, a fumar, como sempre. Quando me vê faz cara de “Vou partir-te as trombas um dia destes!”.

– O meu dinheiro pá?? – pergunta, enquanto manda o cigarro para o chão.

– Tem calma, ouve! Sei dum esquema para te devolver o dinheiro, mas tens de me emprestar mais algum! A sério, não faças essa cara, desta vez é a sério!

– Mas tu ‘tás-te a passar ou quê meu?? Tu já me deves dois mil e quinhentos euros ! Dois mil e quinhentos!

– Eu sei, mas preciso que me emprestes mais dois mil e quinhentos, por favor pá, eu consigo os teus de volta! Por favor, pelos velhos tempo pá, por favor…

Estive mais meia hora a falar com ele. Perguntou-me qual era o meu esquema, mas disse que não podia dizer. A verdade é que não há esquema nenhum. Mal me dá o dinheiro vou a correr para a “Casa do Chaves”. Toda a gente me olha de lado, mas tento fingir que não percebo. O Luís não é a única pessoa a quem devo dinheiro. Mas é a quem devo mais, por isso vou já tratar disso.

Das três últimas vezes que joguei na roleta perdi. Das três meti o pre­to. Por isso quer dizer que, desta vez, quase de certeza, sai o preto! Fiz as contas em casa, há uma probabilidade enorme de sair agora. E vai sair.

Meto dois mil e duzentos euros no preto. Ela lança a bola. Estou um bocado pró nervoso… Começa a abrandar, toca no preto, verme­lho, cai no preto! Cai no preto! Dou um berro instintivo, todos olham pra mim. Quatro mil e quinhentos euros na mão! Penso em ir-me em­bora, mas depois penso melhor. Se meter os quatro mil e quinhentos euros no vermelho e se sair, já pago quase tudo o que devo. Meto qua­tro mil euros no vermelho, ela lança a bola, vermelho, preto, vermelho preto, vermelho! Preto! Preto… O meu mundo cai.

Vejo pelo canto do olho as pessoas a quem devo levantarem-se. Num momento, rodo e saio a correr da casa. Consigo ir até à saída e continuar a correr, dobrando a primeira esquina e escondendo-me dentro dum prédio. Ainda os vejo, por detrás da vidraça. Sei do que são capazes.

Sento-me por debaixo dumas escadas e começo a chorar. Não te­nho nada, até ao senhorio devo a renda faz dois meses! Os meus amigos deixaram de aparecer, respondendo como se deve responder, quando fui eu próprio a deixar de aparecer…

Recomponho-me e saio do prédio. Vou a caminhar em passo rá­pido, sempre a olhar por detrás do ombro até à estação de comboio. Todo o dinheiro que tenho são os quinhentos euros que poupei das apostas. Fi-lo instintivamente, imaginei que poderia precisar na situ­ação que está a acontecer agora mesmo. Para desaparecer daqui.

Com quinhentos euros consigo um bilhete de comboio para Lis­boa, e nunca mais ponho os pés no Porto. Deixo o jogo duma vez por todas e inicio uma VIDA nova do outro lado. Tem de ser assim, só pode ser assim. Compro o bilhete e vou para a linha de comboio, comboio este que chega passados trinta e cinco minutos. Dirijo-me à porta, meto o primeiro pé dentro, e sinto-me ser puxado para trás violentamente, pelo ombro direito. Atrás de mim tenho o Luís e mais quatro ou cinco capangas dele.

– Mandei o resto do pessoal para a estação de autocarros. És tão pre­visível… Anda, vem connosco! – ordena, enquanto mostra um revólver enganchado nas calças. Sei o que me espera, o mesmo que aconteceu a outros antes de mim…

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