Desalinho [2009]Ficção

Borderline

Estou em desalinho com o resto do mundo. Sinto-me inadaptado em relação a tudo o que me rodeia, e a tudo o que tento rodear. Ela começou por me rodear, elas vão começando por me rodear, eu vou-me apaixonando. Depois começo por querer rodeá-las. Depois apenas as rodeio e apenas são rodeadas por mim. Não quero, mas é mais forte que eu, e faz com que todas se afastem de mim mais tarde ou mais cedo.

No café, peço uma água das pedras e penso nestas merdas. No porquê de ser como sou, no porquê de ter esta obsessão fácil de conquistar, e no porquê deste medo que me consome, o medo da solidão e traição, o medo… Elas percebem rapidamente, quando passamos a fase da sedução, e começo a querê-las só para mim. Umas perdoam e compreendem, outras não, mas vão todas embora.

Penso na relação que tenho com Catarina. Talvez seja normal que, mais cedo ou mais tarde, duas pessoas iguais se juntem, e tudo façam para se destruir uma à outra. Quando olho para ela, quando a ouço berrar comigo, algo mais forte que eu vem ao de cima, algo primário, quase animal. Quero berrar mais alto, quero bater-lhe, quero ameaçá-la. Poucas vezes me controlo. Quando está tudo bem, não está tudo bem. Quando está tudo bem, é uma espécie de pausa, de tempo à espera do próximo problema. E vivemos assim, constantemente a arranjar merda para dizer, constantemente a fazer o outro sentir-se da pior maneira possível.

Uma vez disseram-me que eu tinha uma perturbação. Borderline, disse-me.

– Vou-me embora e nunca mais fales comigo, borderline do caralho! – Disse a Marta, segundos antes de sair de minha casa, batendo com a porta. Recordo-me de permanecer em pé, a olhar a porta de madeira branca, a pensar nas suas palavras, e nas minhas próprias palavras que originaram essa discussão… “Vais sair com essa saia?”

Bordeline. Borderline?

Fui pesquisar. Vi-me retratado em alguns aspectos, e tentei negar os restantes. Não sei se consegui.

O que sinto? O que sinto, realmente, é esse medo que me acompanha dia após dia, que é o medo de acordar e não ver ninguém ao lado. Agora estou com Catarina, mas porque estou? Estou porque tenho alguém que alimente uma espécie de solidão conjunta, alguém a quem destruir, alguém que me destrua. Porquê?

Quero paz, como quero paz. Mas apenas tenho paz quando faço o que faço desde criança de vez em quando, e que escandalizou os meus pais. Nesses momentos, a minha mente voa, e foca-se apenas num sítio, abandonando todos os pensamentos que tenho e não quero ter, que não devo nem posso ter.

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