Textos

Diferenças

Estou no autocarro a caminho de Kathmandu, a capital nepalesa. Vamos fazendo caminho pela estrada que corta os campos verdejantes sem dó nem piedade, oferecendo um toque mais urbano a estas paisagens deslumbrantes. Adoro as paisagens nepalesas e estou a adorar o Nepal, apesar de estar aqui há pouco tempo e só ter visto Pokhara. Mas vi o caminho da fronteira até essa cidade, que foi estonteante. Viemos sempre pelas montanhas, passando pelos sítios mais incríveis e com uma autenticidade deslumbrante. As pessoas aqui já se parecem mais chinesas, mas muitas delas, talvez a maioria, é uma mistura do chinês com o indiano. Incrível, uma linhazita, invisível, que é a fronteira, e tanto muda. Estava a pensar ontem em como seria o mundo se toda a gente fosse igual. Para nós não ia fazer diferença, sendo que era um dado adquirido e se calhar nem questionaríamos como seria ter raças humanas, porque era absurdo.

O mundo assim é tão mais rico. Mas parece que o humano não veio equipado com as faculdades de lidar com essas diferenças. Até é capaz, mas é um mecanismo que não é necessariamente inato, e que teve de ser desenvolvido ao longo de milénios. E, sinceramente, nesta altura do campeonato, acho que ainda temos muito para andar. Não gosto de discussões em voz alta e acaloradas, porque isso para mim já não são discussões – são jogos. Mas ainda assim o racismo é um tema que me deixa um bocado furioso por vezes, e é-me difícil manter a calma.

Pois a verdade é que somos todos feitos do mesmo… uns mais bonitos, outros mais feios, mas todos perfeitamente falíveis, todos com um passado atrás de si, todos sujeitos à sorte e azar de ter nascido aqui ou ali. Mas tendemos a esquecermo-nos destas circunstâncias e criticamos implacavelmente povos africanos, por exemplo, e que não se sabem governar e não sei que mais, quando foram os europeus que lá chegaram e destruíram aquilo tudo. Tinham aviões se não chegasse lá o europeu? Tinham computadores? Se calhar não, mas esta é uma pequena ponta do icebergue. Era possível ter havido uma troca de bens e cultura sem isso implicar o massacre de uma destas partes, tanto interno, dentro de cada pessoa, como externo, de país para país, grupo para grupo. E o Gautam, indiano, a disparatar que se não fossem os europeus, os da América Latina, por exemplo, ainda andavam na selva e não sei quê. Em primeiro lugar – quem me diz que isto não era melhor? Quem me diz que as pessoas não são mais felizes nas tribos? Ninguém mo pode dizer convincentemente. Em segundo lugar – por mais que possamos trazer para um país, ou mesmo para uma pessoa, isso não nos dá o direito de nos apropriarmos daquilo que não é nosso, de fazer o que nos apetece com algo que não devia estar nas nossas mãos.

15h05, 4ª, 1 de Junho de 2011
algures entre Pokhara e Kathmandu

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