Desalinho [2009]Ficção

Arie

            – Mas estás a dizer-me que… amas as duas? – perguntava Adam. Tomavam café no Vrijheid, em Nieuwe Adelaars, local várias vezes frequentado. Arie, com a chávena entre a mesa e os seus lábios, voltou atrás no movimento, deixando arrefecer um pouco mais. O café e o pensamento.

            – Sim, estou… E, se queres que te diga… – ia dizendo, confuso – Sempre achei que fosse possível. Ora… eu até já o senti noutras vezes. Mas nunca pensei que fosse possível é… é que sinto paixão pelas duas. Não sei, estou confuso, não sei qual sentimento achava que se podia ter por duas pessoas, mas sei que tenho ambos, e muitos mais, pelas duas… E é uma situação de merda…

         – E

         – Mas… – interrompeu – Sabes quando é que eu sei que fiz merda?

         – Como assim? Merda como? – questionava o amigo. Arie, duma vez, bebeu o seu café com um pouco de Mestiba e preparou a resposta, que tantas outras vezes ensaiara de si para si.

            – É quando estou fodido… Quando estou… sei lá, triste, zangado, aborrecido, com medo… quando estou mesmo fodido, olho para Agnes, e queria que ela fosse Aleida… Quando estou assim a companhia que mais quero é a de Aleida… – confessou. Via nos olhos do amigo uma tentativa de compreensão, que Arie se recusava a aceitar. Nunca ninguém poderia perceber o que sentia – Aí sei que fiz, ou que devo ter feito, merda em ter optado, há tanto tempo, por Agnes…Tenho de ir – acabou por soltar, subitamente.

 

         Nesse dia deixou o Vrijheid e de carro voou sem destino. O ponteiro anunciava que abusava da velocidade, mas o constante risco, e a constante preocupação dos cuidados a ter quando conduzia velozmente… eram das coisas que faziam a sua mente divagar para longe da disparidade, da ambivalência que sentia. Habituado a pouco pensar, tinha tido um jantar com o seu melhor amigo, Theodoor que o tinha despertado, e com esse despertar veio a consciência da VIDA, ou da ausência de VIDA com que levava a sua existência. Tinha em Agnes a sua esposa de alguns anos, uma relação animada, muito sexo, mas bastara um jantar com o seu amigo e uma noite com Aleida para destruir toda a ideia de estabilidade que tinha. Não… não para destruir toda a ideia de estabilidade que tinha, mas toda a maneira como perspectivava essa estabilidade. Voltar para Agnes nesse mesmo dia tinha sido para Arie como verter ácido numa ferida. “É só o merecido sentimento de culpa”, pensava, tentando justificar os sentimentos em reboliço dentro de si que não estava habituado a sentir.

            Pensava em Aleida e na efémera relação que consigo tivera em tempos juvenis. Pensava em Aleida como a mulher do seu melhor amigo. Pensava em Aleida e na maneira como esse mesmo amigo a trocava por alguém, uma mulher qualquer. Pensava em Aleida e pensava em Agnes. Depois dessa noite, que a par de despertar esse turbilhão de emoções relembrara também tempos passados, tentava esconder o que ia dentro de si, preparando jantares românticos com a esposa, festas com outros casais, tudo o que pudesse manter a sua mente ocupada, tudo o que pudesse manter a sua ideia de felicidade. As palavras do seu amigo badalavam na sua cabeça a cada segundo. O ódio pelo mesmo amigo fazia-se sentir. A incompreensão de como, tendo Aleida à sua espera a qualquer momento, escolhera outra pessoa, amassava-lhe a alma.

            Assim, quando se conseguia ludibriar, a sua consciência descansava. Descansava e permanecia, ainda que voluntariamente, enganado acerca do que fazia no dia-a-dia, e do que isso gerava em si. Feliz, ou infelizmente, era muito fácil tropeçar e ver o outro lado. E a cada tropeção, a dor era maior. A cada tropeção, mais difícil era voltar a encarnar a VIDA idealizada. A cada tropeção mais perto estava da queda final.

futuro

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