Desalinho [2009]Ficção

Momentos

Momento 5

         – Ok, ok, ‘tá quase,… espera só um bocadinho! – pede-me Stian. O seu tom é divertido e, não soubesse eu que me tinha convidado com um pretexto, como disse, romântico, diria gozão. Estou no seu quarto, sentada na confortável cadeira de pele da sua secretária, de olhos vendados. Nos ouvidos os auscultadores com Like a Stone, Audioslave, quase no máximo. “É para não ouvires os preparos”, explicara-me. Por isso mesmo teve de gritar para me avisar que teria de esperar apenas um pouco. Sinto-me um tanto ao quanto nervosa. Não estou acostumada a surpresas desta natureza por parte de Stian, e isso deixa-me com um sorriso interno e uma adrenalina inquietante. Penso se, depois daquele momento que pensei que tudo fosse acabar, ele terá tomado consciência da nossa relação, do que se passava e do que não se passava, e tenha feito por remediar isso. Sinto-me contente, estranhamente contente, ao perceber o bom que adveio dum erro crasso meu…

            Encosto-me para trás enquanto aguardo, pensando se serão rosas, uma composição de fotografias nossas… qualquer coisa. Ao pensar no que pode ser sou obrigada a pensar naquilo que nunca foi, ou tão cedo deixou de o ser… O período de mútua sedução não foi breve. Começou com o interesse de Stian em mim, e apesar do meu interesse em si ter nascido pouco tempo depois da sua primeira tentativa, fiz-me, ou fui, difícil pois ver alguém como ele, com o seu ar mal-encarado e uma postura nem sempre amigável, desfazer-se em surpresas e actos foleiros de amor era algo que me deixava a suspirar…

            Todavia… fui sentindo, com o passar dos anos, como se os suspiros que Stian tantas vezes me fez sentir nesse período de conquista tivessem sido todos utilizados, gastos, acabado… não tendo eu direito a mais nada senão uma VIDA de casal, namorado e namorada, e em que esta estava constantemente a procurar um gesto de afecto, mantendo-se na sombra da actividade do amado… tomando qualquer mínimo trejeito amoroso como a maior prova de amor…

Não sei por que o fiz durante tanto tempo.

Não sei se por falta de auto-estima e achar que mais ninguém gostaria de mim, não sei se por realmente o amar, não sei se por não ter perdido a esperança…

De cada vez que o tentava despertar para o fosso de nada que era a nossa relação, respondia-me com um abanão nervoso, negando as evidências, mantendo a sua postura nórdica, que fazia os demais habitantes do seu país parecerem pessoas equatorianas…

            Sim, talvez o que me levasse a aguentar, durante tanto tempo, a sua distância, a sua ausência de toque, fosse um pouco de tudo o que referi… baixa auto-estima, amor, esperança, e uma boa parte, descubro agora, a mais genuína vontade de o perceber, de o ajudar a perceber-se, de saber de onde vinha a agressão, ou ar de agressão constante que sempre manifestou para os estranhos… Raramente o era comigo, mas quando o era, eu tentava não me demonstrar como frágil, pois cedo percebi que isso apenas alimentava a fome de explosão que circulava dentro de si. Agora penso. Será que se fosse constantemente carinhoso comigo a relação teria já acabado? Não faz sentido nenhum o que penso, mas penso-o. Será que habituar-me-ia de tal forma ao carinho que o poria de parte, vendo Stian simplesmente como ele é, sem tanto me preocupar em ter algo de si, mas… vê-lo?… E, faça o pouco sentido que fizer, será que o mesmo ocupava a sua mente, e por isso era assim? A agressão como a constante maneira de mostrar ao mundo que há muito mais dentro dele do que os outros poderão ter…

            – Ok, quase… – ouço-o, mais uma vez, dizer, despertando-me das minhas divagações. Sim, agora não tenho por que pensar no que pensava. A última semana foi apenas, como todas as outras, constituída por sete dias, nem mais, nem menos. Mas nestes sete dias, ainda que no mesmo número de sempre, senti o que não sentira em sete anos. Senti a tentativa constante de Stian provar que me ama…

Momento 3

         É Sábado de tarde. Bebemos, debaixo do surpreendente sol de Março, uma cerveja no Café Con Bar, em Grønland. Estou aborrecida. Aborrecida no puro sentido de aborrecimento, e no sentido de preocupada, triste, zangada… Contudo, estes sentimentos nada são quando comparados com os que tive nos dias seguintes àqueles momentos de que tanto me arrependo. Ouço Stian e os seus amigos falarem acerca de qualquer coisa, mas apenas zumbidos indistintos alcançam o meu conhecimento. Tento perceber porque me sinto assim. Sem sucesso. Penso se me perseguirá o sentimento de culpa que eu julgara extinguido. Ridícula. Ridícula sou e me sinto ao pensar que alguém como eu, sempre tão em cima do acontecimento, sempre tão preocupada com os detalhes e valores, me poderia esquecer num par de semanas de alguns momentos tão importantes como os que se passaram. Os sentimentos que vagueiam em mim fundem-se, tornando mais difícil a sua análise, mas por vezes consigo apanhar a nítida percepção de que essa confusão que sinto e nomeio, nada mais é que, em si própria, um terrível sentimento que me deixa agoniada com as memórias que tenho e quero apagar.

O passado é impossível de apagar, mas o futuro é possível de planear. O que posso fazer, neste momento, para me sentir mais em domínio de mim mesma, sabendo que o que acontecerá terá a minha decisão como percursora?… Quem quero enganar?… Enganos aconteceram nos últimos tempos, e talvez, ainda que não o queira admitir, simplesmente por ser verdade, me tenha habituado ao sabor agridoce de tapar a verdade com um lençol translúcido…

Numa tentativa de esvaziar a minha mente de pensamentos nada sossegadores, procuro com os olhos Michelle, buscando um aliado feminino na difícil tarefa de encontrar uma conversa mais interessante. Mais uma vez encontro o fracasso, ainda que desta feita fosse de esperar. Tudo o que agrade a Stian, a ela agrada igualmente, e por isso ri abertamente, mostrando os seus dentes amarelados, que condizem com o seu cabelo sem VIDA. Não me preocupo, pois sei que, apesar de estar longe, muito longe, de ser um namorado perfeito, Stian gosta de mim. Mas, (os “mas” têm começado a habitar com muita frequência as minhas frases…) questiono. Advirá a minha falta de preocupação com este aspecto da minha confiança em Stian, ou da ideia visivelmente errada de que este partilha por ela o meu ódio?… Ou quererei, simplesmente, que Stian me traia?… Não sei. Não sei e detesto procurar saber. Como dizia, Stian está longe de ser um namorado perfeito e talvez tenha… não, foi, de certeza, essa distância que me fez fazer o que fiz.

            Castigo os meus pensamentos, imaginando que o que se estava a passar apenas poderia ser obra dos mesmos, dada a improbabilidade de ver, do outro lado rua, quem vejo. Cansada de ver como paisagem o grupo que se sentava frente a mim, três homens com mais músculos que cérebro, dois sem nenhum destes, e duas mulheres a disfarçar o mais genuíno interesse em conversas de carros e Metal, a minha visão muda de panorama e vejo, passeando com um olhar carrancudo e ninguém como companhia, Tore. Caminha devagar, contrastando a sua velocidade com o que se passa dentro de mim. Sinto, subitamente, a confusão que alegremente existia nas minhas vísceras diluir-se numa dolorosa organização, como se o meu corpo se tivesse tornado, sem eu me dar conta e em menos de um segundo, num obsessivo-compulsivo, cuja única obsessão era organizar e catalogar emoções desagradáveis. Tenho num canto a nítida surpresa, que me acena zombadora; noutro canto o medo, chateado por não ter percebido que existia quase desde o primeiro momento; e noutro canto, com um par de outros sentimentos sob a sua alçada, a terrível tristeza, dividindo-se em tristeza pelo passado e em tristeza pelo futuro a muito curto prazo que, ainda que não o queira, vejo acontecer a qualquer momento.

Numa atrevida suposição, questiono se Tore terá vindo de Askim de propósito, calcorreando, num desalinho emocional, as ruas de Oslo à minha procura. Desço do meu pedestal, reduzindo-me à minha real significância, e penso que não será verdade. Porém, pelo sim pelo não, impelida por um nervosismo dez vezes superior à adrenalina antes sentida, as minhas mãos cobrem, discretamente, o meu rosto, na tentativa de que ele não me veja. Não me iludo pensando que não me verá. Creio que simplesmente o faço para, amanhã, não pensar que o poderia ter feito e tudo seria diferente.

            Tudo se passa muito devagar, como se visse a minha própria VIDA numa tela em câmara lenta, pois desde o momento em que o seu olhar me apanha, até ele próprio o fazer, aproximando-se da mesa, passam seis anos.

Momento 1

         Quero sentir-me mal, quero sentir ódio de mim própria, mas não consigo. Não neste momento. Com Tore dentro de mim, sinto seus dedos deslizar pelo meu corpo, suavemente, provocando suaves e prazeirosos esporádicos arrepios. Diz que me ama, numa mentira em que escolho acreditar por dez minutos…

As cenas antecedentes passaram com alguma rapidez, desde o momento em que o conheci e decidiu ser simpático para mim. A primeira frase, tímida, esconde-se da minha memória, não conseguindo eu obter a concentração suficiente para me recordar como me abordou. Tenho o seu olhar dentro de mim, tenho-o dentro de mim. Olho para si e faço de conta que é meu. Desisto de tentar pensar no que não quero mas deveria pensar, e entrego-me ao momento, este momento de que, sei, me arrependerei, mas onde estou, de momento, completamente emergida…

Sinto-o entrar e sair de mim com calma, com cuidado e com carinho, e lembro-me de quando conheci Stian. É-me difícil manter a sobriedade mental em que pensei instantes antes, e por isso as minhas reflexões oscilam entre o que sinto e o que senti…. O que sinto faz-me recordar o que, há muito tempo, senti… Penso assim na calma, no cuidado e no carinho de Tore, e isso leva-me para os breves momentos em que o mesmo tive com Stian… Penso na forma como, com o passar dos tempos, o cuidado foi esquecido, a calma negligenciada, e o carinho sobrevivendo às custas de umas parcas e esporádicas mensagem no telemóvel… Penso no quão bom é sentir-me apreciada, sentir a atenção doutro ser humano apenas para mim, a minha VIDA, ainda que apenas por aqueles breves momentos em que partilho uma cama, ser tida em conta como se mais nada houvesse.

Sinto a indecisão do meu estar, não conseguindo encontrar um equilíbrio que me permita, ou sair daqui neste preciso instante, ou, por outro lado, fruir de cada segundo, ainda que consciente do quão pouco durará. Depois disto não conseguirei voltar a ver Tore. É demasiado pesado, e massacro-me pensando que nem sequer penso em pôr um ponto final na minha doente relação com Stian. Porquê?

Sinto Tore perto do orgasmo, e vejo-o tentar conter-se. Está por cima, as mãos apoiadas no colchão. Toco com minhas mãos nas suas, subo pelos seus braços e deixo-as nos seus ombros, dando-lhe o sinal, com um inocente piscar de olhos, que pode chegar lá, pois sei que eu não o vou fazer. Não sei se quero, sei apenas que não conseguirei. A paz de espírito que não tenho impede-me de alcançar um nível que noutro patamar colocaria Tore na minha VIDA. E não quero isso. Tore foi, ou está a ser, um erro, quem sabe uma espécie de vingança para com Stian e a maneira negligente como me trata, como me esquece…

Momento 2

            Desespero. Sinto nojo de mim própria. Pela maneira como cedi ao atento charme dum desconhecido, e pela maneira como brinquei com o mesmo. Sinto-me como dona de um par de opções que posso escolher, mas sinto-me igualmente incapaz de escolher uma que deixe toda a gente feliz. Neste triângulo em que me incluo, posso tomar duas decisões, deixando cada uma, uma pessoa feliz (ou não-infeliz, no caso de Stian), mas ficando eu, seja qual for a opção tomada, na terrível encruzilhada da tristeza. Admitindo o erro que Tore foi para mim, torna-se dificilmente fácil saber a opção que tenho a tomar. Ou manter… sendo que já a tomei…

Sinto-me mal por fazê-lo sentir-se tão mal… Passam pela minha cabeça os milhares de momentos em que Stian me deixou mal, e questiono se será justo que tão destruída me sinta. Não é, mas não é justo igualmente fazer a Stian o que fiz. Apagando mais uma mensagem de Tore que cai no vazio, penso mais uma vez que o que se passou será para mim nada mais que um erro. Um erro que eu não escolhi cometer, mas que foi escolhido pelos meus sentimentos perdidos à procura de alguém que gostasse de mim. Quase caio na cobardia de atribuir a Stian a responsabilidade pelo que fiz, uma vez que esses sentimentos advêm todos da maneira como me trata, como me esquece. Volto a pensar e questiono se seria mesmo uma cobardia, ou a mera verdade… Não consigo sossegar a minha reflexão. Ligo a televisão, ouço música, mas as dúvidas e questões sobrepõem-se a qualquer ruído que queira forçar. Nada entra, e nada sai. Volto a colocar inteira responsabilidade em mim pelo que fiz, pois se não estava feliz com Stian, tinha sempre a opção de carimbar um fim na imitação de relação que vivia, ou que vivo. Porque não o faço? Talvez porque, por mais estranho que pareça, me faz, por vezes… feliz. E essas poucas vezes acabam por valer… não, não sei. Diria que acabam por fazer com que tudo valha a pena, mas não sei. Não sei.

Valerá a pena passar dias a fio a sobreviver à custa de uns breves momentos, aguentando a respiração dolorosamente, tacteando no escuro gestos de afecto que raramente vêm?… Que porcaria. Pensar custa, questionar dói. Questiono. E ainda que comece com algo simples, como por vezes acontece, acaba invariavelmente em Stian, e isso faz com que acabe sempre a questionar quem sou, tudo o que faço, porque existo. Porque existo desta forma tão passiva, não agindo, não tomando a minha VIDA como minha, aceitando o destino que outros escolhem para mim, sem ser capaz de segurar no volante… e guiar. Guiar-me em direcção a um qualquer amanhã, que não me traga necessariamente certezas, mas que me traga a permanente dúvida que… quem sabe amanhã serei mais feliz. Guiar-me para esse amanhã, deixar-me levar comigo mesma, vê-lo chegar, e dizer que estou ali…

Porque divago tanto em sonhos que não vejo acontecerem?…

Momento 3

         – Qual deles é o teu namorado? – pergunta Tore, percorrendo com o olhar as pessoas que me rodeiam, que o olham como se dum bicho estranho e raro se tratasse. Eu olho para si, olhos arregalados, tentando disfarçar uma expressão que diria que não sei do que está a falar. Porém, a imagem que não vejo mas imagino, vendo-me a ignorar alguém que injustamente negligenciei nos últimos tempos afigura-se-me demasiado cruel, e não consigo, nem quero, manter o mesmo olhar de distância. Estranho a maneira como não se mostrou surpreendido por me ver, abordando-me de tal forma, avançando os típicos olhares de quem vê quem não esperava.

Isto leva-me a crer que sim, veio de Askim à minha procura. Encontrou-me hoje, há quantos fins-de-semana me procurará?… Imagino-o a percorrer as ruas, desesperado por me ver e me perguntar o que se passa, imagino-me sem saber o que lhe dizer, sem saber como lhe dizer que ele foi apenas um passo errado que dei, que ele apenas apareceu no momento errado, na hora errada… O silêncio, ainda que apenas impere por uns breves segundos, torna-se pesado e demasiado difícil de sustentar. Sinto a minha respiração marcar cada segundo, sinto cada segundo como uma facada castigadora as minhas acções.

Rezo para que desista e se vá embora, mas Stian toma a palavra. Está apreensivo.

            – Sou eu… porquê? – pergunta, a medo. Os olhos de toda a mesa oscilam entre mim, Tore, e Stian, e vejo um ar de expectativa na expressão de Michelle, como um menino no Natal.

            – Por nada. Só te quero dar os parabéns! A tua namorada gosta mesmo de ti! Tivemos uma foda espectacular noutro dia, e depois eu quis mais, e ela – tem dificuldade em falar. Foi só uma vez!!! Um pequeno erro!! Custa-me perceber a facilidade com que se gerou tal obsessão – … e ela… e quando eu me quis voltar a encontrar com ela, disse que não queria deixar o namorado. Por isso parabéns, gosta mesmo de ti! – e vai embora.

            Ninguém fala. Michelle quer sorrir, sei-o bem. Stian… não sei se quer chorar… não, Stian não chora. Não consigo perceber o que vai dentro de si, e isso magoa-me. Magoa-me que não o veja magoado perante tal descoberta. Sei que o está, conheço-o suficientemente bem para saber que o está, mas apenas o sei juntando as dolorosas partes desta equação e espreitando o resultado. É assim que sei como Stian se sente na maior parte das vezes. Não olho para os seus olhos, mas tento entrar dentro de si e descobrir por mim, muitas vezes nadando sozinha no mar de nada que Stian é expressivamente.

Momento 4

            Stian deixa-me à porta de casa depois de uma noite bem passada. Tiro as chaves do bolso, entram na fechadura, e vejo abrir-se diante de mim o repouso das próximas horas. Tiro os sapatos, deito-me no sofá. Passou apenas uma semana desde que Tore nos surpreendeu no Café Con Bar. Apenas uma semana! E Stian reagiu a isso duma maneira que nunca achei possível… Como é possível?…

            Vejo nas profundidades das minhas dolorosas memórias a imagem do meu namorado a olhar para mim, perguntando-me com o olhar a veracidade do que ouvira. Vejo os seus melhores amigos ao seu redor a testemunhar a maior humilhação alguma vez sentida pelo intocável Stian. Doloroso. Certo é que, apesar de não ter falado comigo durante dois dias, tendo abandonado imediatamente o bar (seguido, claro, de Michelle), ao terceiro dia procurou-me. As suas palavras mostravam-se difíceis em aparecer, e eu tomei a iniciativa, desculpando-me e justificando-me com a verdadeira questão que é o desprendimento progressivo que Stian vinha a ter comigo. O que nunca esperei foi encontrar a compreensão que encontrei do seu lado. Se a primeira surpresa tinha sido, ainda que dois dias depois, o seu contacto, a segunda surpresa foi, ainda que dois anos depois, o seu contacto. Geralmente via gestos de ternura em Stian, muito porque os queria ver, e fazia por isso, procurando mensagens onde não existiam, iludindo-me sabendo-o, magoando-me ter de o fazer, mas ainda assim o fazendo. Todavia, desta feita, via em Stian um sorriso mais aberto, um olhar mais genuíno, e um brilho que, ainda que eu não soubesse descrever ou entender com precisão, me agradava.

            Desde então procura estar comigo todos os dias, fomos jantar fora duas vezes nas quatro últimas noites, telefona-me a dar a boa noite, planeia as férias comigo em detrimento de com os seus amigos. Sorrio ao perceber que de algo mau, adveio algo bom. Des-sorrio ao pensar que isso foi apenas para o nosso lado. Imagino neste momento Tore, em Askim a remoer a sua obsessão. É irónico o facto de que, ainda que não tivesse namorado, nunca poderia ter algo com alguém assim. O que me deixa a pensar nos milhares de coisas que cada pessoa pode ser, de acordo com diferentes situações. Se não tivesse namorado, provavelmente continuaria a encontrar-me com Tore, e quem sabe teríamos uma feliz relação, em que passava completamente ao lado a sua natureza. Não consigo parar de questionar… Seria isso a sua natureza? Se eu nascesse num meio em que fosse obrigada a roubar, quem sabe matar, para sobreviver, poderia dizer que matar era a minha natureza? Talvez sejam as situações que façam a nossa natureza, e talvez tenha… não. Sim, talvez tenha sido eu a criar essa aparente desagradável natureza de Tore, e talvez neste momento ele esteja a pensar acerca da minha própria natureza… como alguém mau, cruel, egoísta. Talvez o seja mesmo, pelo menos egoísta, pois ao me aperceber do sentimento de felicidade e bem-estar que sentia como ameaçado, faço por não pensar mais. Afasto Tore para onde ficará para sempre, num qualquer canto da minha mente, catalogado como um passado a esquecer, uma lição a aprender.

Adormeço no sofá a pensar na surpresa que Stian terá para mim amanhã.

Momento 5

         – Ok, podes tirar a venda! – grita-me. Respiro fundo, e liberto-me do pedaço de tecido que impedia a minha visão. O que vejo… quase não me preocupa, pois penso que pode apenas ser algum tipo de alucinação. Não esfrego, como nos filmes tanto se vê, os olhos para ver melhor. Mantenho-os abertos, e a imagem não muda. À minha frente, sentado na cama, vejo Stian, completamente nu. Michelle, um pouco de lado, para que eu possa ver exactamente o que faz, igualmente nua, segura com uma mão uma parte de Stian e, com os olhos abertos e pregados em mim, beija-a carinhosamente. Sinto-me como se me tivessem dado um violento murro na nuca. O desconforto faz as minhas entranhas revolverem-se, a minha adrenalina mistura-se com o nojo, e outras substâncias e sentimentos impossíveis de nomear. Sinto um calor insuportável subir pelo meu corpo, e a sensação de desconforto brutal que sinto obriga-me a vomitar. Contudo, faço-o pouco me mexendo, e sinto os fluidos quentes descerem pelo meu peito, manchando a minha blusa branca, a minha preferida, escolhida para o dia em que Stian me faria, pela primeira vez desde há muito tempo, uma surpresa. O cheiro é nauseabundo e no meio de tudo o que está a acontecer, algures dentro de mim sinto-me, por uns milésimos de segundo… contente por estragar a festa. O olhar de ambos salta duma posição zombadora e cruel para a surpresa total que, todavia, tentam esconder, continuando no acto de tortura. Levanto-me, tiro a camisola suja, atiro-a para as costas sardentas de Michelle, tiro uma outra camisola minha do armário de Stian. Saio, fecho a porta do quarto, dou dois passos, saio do apartamento, fecho a porta. Sinto dentro de mim um imenso peso que esmaga e destrói tudo o que tenho ou alguma vez tive. Não penso se passará ou não, não penso em nada a não ser no porquê de não ter chorado. Dou um passo em frente, mas sinto de repente uma súbita vontade, uma súbita emergência, e viro-me, enfrento a parede, apoio-me com ambos os braços na mesma, e dou uma cabeçada no duro cimento. Sinto a testa latejar, os olhos a querer rebentar, e rebento em explosões de lágrimas e violentas cabeçadas na parede, sentindo-me tonta ao tentar expulsar a dor do meu peito, ao tentar apagar as imagens da minha memória, até que caio para o lado. As lágrimas navegam, lentamente, transportando algum sangue triste.

Momento 6

         Não sei quanto tempo fiquei no chão deitada. Sei apenas que quando me levantei, cansada de ouvir os gemidos de Michelle e Stian, eram sete e meia. Fui direita a casa, ignorando, no metro, os olhares das pessoas, estranhando a mancha de sangue ressequido que não limpei. Na estação central comprei uma garrafa de vodka por duzentas e vinte coroas. Queria pensar em tudo o que não me lembrasse a imagem aparentemente indelével daquelas duas pessoas a foder na minha mente.

            Uma vez em casa, tomei banho, limpei a ferida, que não sei como não pedia pontos, e sentei-me à mesa, como companhia apenas a garrafa e um copo. Estava disposta à auto-destruição. Não conseguia deixar de pensar em todo o meu passado, todo o nosso passado que nunca devia ter existido. Não conseguia deixar de pensar em todos estes anos, sete anos de namoro, em que Stian progressivamente me ignorava, vendo-me permanecer a seu lado, acreditando piamente no seu amor, fidelidade… valores que eu desafiei mas com que permaneci, valores que, agora vejo, ele nunca teve. Bebo um copo duma vez. Ao primeiro gole sinto uma reacção de vómito, mas na verdade nada mais havia por sair, e consigo, estóica, continuar a empreitada. Lágrimas, desta feita de puro desconforto físico, escorrem pela minha face, à medida que forço a entrada do líquido dentro de mim.

            Mais uma vez não sei quanto tempo passa. Quando dou por mim estou à porta de minha casa, do lado de dentro, a minha mala branca pendurada no braço direito com o que resta da garrafa, os olhos pintados e, imagino, uma cara de bêbeda de todo o tamanho. Continuo a não conseguir afastar do meu pensamento a imagem desta tarde, mas já não me perturba tanto. Caminho, aos s’s, até à estação de metro, entro, saio, estou em Jernbanetorget, no centro. São onze da noite, e caminho, sozinha, em direcção ao Blå. Quero ver escuro, quero dançar, mexer o meu corpo tentando expulsar o que resta da mágoa que se agarra ferozmente aos meus músculos. Todavia, sinto o vodka cada vez mais tomar conta de mim, e vejo-me, por entre pálidas imagens, a atravessar a pequena ponte sob o pequeno rio, a entrar no bar, a dançar, enquanto vou bebendo uma Carlsberg. Sinto alguém agarrar a minha cinta. Não expulso. Quero sair de mim por uns momentos, viajar, de olhos fechados, num beijo com um estranho. Olho vagamente para si, parece-me bonito, beijo-o. Dançamos alguns minutos e ele deixa-me para ir buscar uma bebida. Aproveito para ir ao quarto de banho, e quando volto, ele abraça-se a mim, quase, imagino, com ternura, e mais calmamente que a música que se faz ouvir, dançamos. Ele beija-me novamente, e após este beijo, a confusão toma conta de mim, ao perceber que ele está uns metros à minha frente. O vodka mistura as minhas percepções, e percebo que beijava uma outra pessoa. Vejo ambos a dançar à minha volta, sinto-me como uma presa. Quero sentar-me, sinto-me tonta e com vontade de vomitar a última cerveja bebida. Quero afastá-los, mas tenho dificuldade em tornar a minha vontade perceptível. O mundo gira, e preciso de me agarrar a alguém, e esta mera busca de apoio é entendida, imagino, como a mais pura sedução. Tenho línguas a entrar na minha boca, mãos a percorrer o meu corpo. Peço para ir embora, quero apenas ir embora, deitar-me na minha cama e acordar no dia seguinte com vontade de esquecer o passado, viv… Vejo o meu corpo ser carregado, em braços, pelos dois homens que estavam comigo. O seu Norueguês parece-me quase em código. Esforço-me por não fechar os olhos, e tento perceber se o Norueguês que me parece codificado o é, realmente. Sim. É Norueguês, e não está em código. Quero chorar. Quero ser atacada pelos ataques de choro que tanta gente tem quando bêbeda, mas tudo o que consigo fazer é balbuciar que quero ir para casa.

            – E vamos para casa, não te preocupes…

         Vou entrando e saindo do meu corpo. Apesar de o fazer metaforicamente, sinto que ambas as pessoas que me levaram para casa o fazem realmente. Sinto-me violada ao senti-los dentro de mim. Sinto-me violada porque estou, para todos os efeitos, a sê-lo. Quero adormecer para não mais sentir, mas não consigo. Sinto elementos na minha boca que não são meus, tento morder um, a força é pouca mas ainda ouço um esgar de dor, seguido de risos de ambas as partes que me provam a ineficácia em magoar. Sinto o meu corpo querer ceder ao ritmo, para minha surpresa e nojo. A minha cinta balança ligeiramente, dando a errada ideia de que estou a retirar algum prazer desta ignóbil experiência. Não percebo o porquê, se tudo o que quero é desaparecer…

Os meus olhos rendem-se, progressivamente, à escuridão.

Momento 8

         Bebo um chá. Penso na semana passada. Agora com as ideias organizadas, depois de juntar as poucas imagens que iam aparecendo diante de mim, percebi que fui violada. A maneira como me lembro das imagens que desfilaram diante dos meus olhos, mas como não me recordo das palavras que me foram ditas ou das palavras que eu disse é massacradora, pois não me permite saber com precisão até que ponto eu, ou aquela espécie de mim, foi alguém activo em todo aquele processo. Sinto-me como um pedaço de lixo, mas sinto-me em recuperação. Penso em Tore. Parte de mim quer ligar-lhe, mas a outra parte, ainda que mais pequena, é forte e persuasiva ao explicar que é apenas o desespero da solidão.

            Faria algum sentido ligar a alguém que magoei como magoei, alguém acerca de quem a minha opinião não é das melhores?… Quem sabe ligar para tirar a limpo se Tore é o obcecado que imagino… Não. Se realmente o for, ligar-lhe não será uma boa ideia. Iria apenas abrir a sua ferida, mexer com ela e magoá-lo mais uma vez, e relembrar-me de coisas que prefiro esquecer. O que sinto em relação ao que nos liga já mudou várias vezes. A primeira opinião, o primeiro sentimento acerca dos minutos que partilhamos era sóbrio, cru, e cruel. Toda eu sabia o que achar, que imagem ter acerca do sucedido. Quando o vi, algum tempo depois, na rua, naquela tarde em que Tore fez por partilhar os meus erros com Stian, percebi que o arrependimento antes sentido era muito tímido face à incrível magnitude que brotou em cada poro meu. Hoje, sinto-me feliz. Não, não me sinto feliz. Sinto-me satisfeita com que tenha acontecido. Não posso dizer que me sinto feliz simplesmente porque me sinto mais elucidada com as consequências. Ainda que dolorosas, como o foram, como o ainda são… ainda que dolorosas, as consequências mostraram-me quem era realmente a pessoa que eu amava. Ou amo, não sei. A pessoa com quem, apesar de tudo, eu me via a passar o resto da VIDA. A sua natureza. Merda para a natureza! Mais uma vez, terei sido eu a criar esta natureza de Stian? Será possível que num momento tenha destruído tanta coisa? Tenha feito Tore agir como um obcecado, humilhar-me, humilhar Stian… e tenha feito este descer ao nível em que tanto magoa, pura, conscienciosa e acutilantemente a pessoa com quem passou os últimos sete anos?… Não sei. Pouco interessa, agora, mas o facto de pouco interessar não desvia o meu pensamento da realidade, do vazio de pessoas que se sentam comigo, personificadas numa massa de ar que não consigo tocar…

            Concerteza iludidos pelo episódio que presenciaram, os meus amigos, que após sete anos de namoros são comuns a um casal, escolheram ficar com Stian. Não me importo. Ou quero não me importar. Acredito que se acreditam que a estória é tão simples como aquilo que presenciaram, não merecem uma explicação minha. Ou… ou então isto é apenas uma desculpa para a minha cobardia e medo de enfrentar um facto com… uma opinião. Uma opinião pois nunca lhes diria o que Stian e Michelle fizeram. Apenas me elevaria ao ridículo, sendo que sei que não acreditariam.

Momento 7

         Sou acordada por uma senhora que, com o seu saco de compras ao colo, me toca com o pé. Olha para mim com desdém e diz que não posso dormir aqui. E onde é “aqui”? Da noite de ontem pouco me lembro. Estou sentada, encostada a uma parede no hall dum prédio. O meu corpo pede sono, a minha mente pede descanso. Olho para a senhora, que permanece a ver a sua caixa de correio, levando mais tempo do que aquele que realmente precisa, numa óbvia tentativa de se certificar que deixo o prédio. À minha direita encontro a minha carteira, e surpreendo-me com a maneira como não entro em pânico pensando que fui roubada. Na verdade, apenas me limito a, calmamente, abri-la, e perceber que tudo está onde devia estar. Faltam-me todas as notas com que saí de casa, mas suspeito que estejam neste momento na caixa do Blå. Acho que ainda estou bêbeda. O que me permite afirmar isto é a maneira como me vejo lidar com toda a situação completamente fora do normal que estou a viver. Acho inclusive que, ao dar uma olhada na minha carteira, o faço com toda a calma, numa tentativa de irritar a senhora mal-encarada que, no fundo, tem toda a razão em o estar.

Quando me levanto sinto a vagina e o ânus um pouco doridos. Estas sensações assustam-me e o medo e pavor que sinto ao não me lembrar do que se passou fazem-me sentir um pouco mais dentro da realidade, esquecer que o que bebi ainda se faz sentir dentro de mim. Olho ao meu redor, e o mesmo hall onde dormir e acordei torna-se subitamente mais assustador e sinistro. Vejo a senhora como a minha carrasca, prestes a gritar-me a qualquer momento, vejo o meu corpo como sujo e lamacento. Sinto uma súbita falta de ar.

 Saio, os meus olhos envelhecem um pouco com o choque da luz que inunda as ruas, e à medida que vou caminhando vou tentando me lembrar do que aconteceu na noite de ontem, com a certeza, dada pelas dores que sinto, de que tive sexo. Não sei com quem, onde, e isso faz-me sentir duma forma difícil de descrever… Não tenho já nenhum vínculo com Stian, mas sinto-me estúpida ao me sentir estupidamente triste, como se o estivesse a trair pela segunda vez. Sinto-me fácil, barata e sem valor. Incrível a diferença que faz o facto de não me recordar com quem dormi, e em que circunstâncias… Se me recordasse tenho a certeza que até me poderia sentir arrependida, mas o facto de não conseguir ter em mim as imagens da minha última noite deixam-me numa situação em que vejo o meu passado nas mãos de toda a gente menos nas minhas.

A minha cabeça a latejar e a querer rebentar a qualquer segundo quase me consegue, por vezes, distrair, levar de mim as imagens que não tenho, a imagem que tenho de mim. Imagino a minha figura, como posso parecer, pois vejo nos olhares das pessoas que passam, um subtil espelho que me diz que o meu aspecto não é o melhor. Tento pensar o mínimo possível. Não quero, neste momento, escavar o passado, dissecar os detalhes de uma noite que tem tudo para ser das piores dos últimos tempos… pode trazer-me imagens que não quero, neste momento, conhecer.

Momento Último

         – Queres que te faça um café? – pergunta-me, com um sorriso terno.

– Por favor, querido – peço, tentando, ainda que destinada ao insucesso, lançar um sorriso carregado de tanto sentimento quanto o seu. O meu insucesso não tem que ver com menos amor de minha parte, mas simplesmente com a maneira como constantemente ele me mostra o seu.

Estou sentada no sofá gasto de sua casa. Vejo, ao fundo, a sua silhueta atarefada, a sua cara com aquela expressão que adoro, que me faz pensar que está a fazer a coisa mais difícil de sempre. Morde a língua e carrega as sobrancelhas enquanto tenta não se queimar.

O apartamento é pequeno e pobre, mas sinto-me quentinha. Com o Natal a um par de semanas, o frio que se faz sentir recorda-nos constantemente o bom que é estar em casa. A solidão gela, queimando-nos por dentro independentemente de onde estejamos, de em que altura do ano… Aí, estar em casa, estar na rua, estar seja onde for é estar em lado nenhum, constantemente à procura de uma presença para quem sorrir. Porém, não é a situação em que me encontro, e isso é incrivelmente reconfortante. Ter passado pelo que passei nos últimos tempos ensinou-me muito acerca do que é viver. Estar no fundo do poço, tão fundo que a luz lá em cima ameaça desaparecer, é um sentimento traiçoeiro e exasperante. As palavras que nos dizem são tidas como ameaças, como possíveis portadoras de dúbios significados… as palavras que não nos dizem são tidas como profundas manifestações da nossa eterna insignificância. É-nos difícil agarrar as mãos que se esticam para nos ajudar, para sair do fosso em que nos encontramos. Não sei porque escolhi agarrar aquela mão forte, não sei porque depositei alguma esperança em algo que nada tinha para resultar. Por isso mesmo vejo como mágico o desenlace que me trouxe onde agora me encontro. Sombras indistintas pavoneavam-se à minha frente. Por mais que fechasse os olhos, algumas insistiam e gritavam. Acedi, felizmente.

Dou uma olhada ao termómetro, que me diz que no exterior daria de caras com vinte graus negativos. Vejo-o fazer o café, e penso nessas contingências, nas circunstâncias que fizeram com que, sem saber, me tenha esticado uma mão.

Além de lhe oferecer um relógio, planeio, no dia vinte e quatro de Dezembro, sugerir-lhe que vivamos juntos. Em minha casa, na sua, não me importa. Importa-me sim ter sempre alguém à minha espera quando chegar a casa. Nem que isso implique mudar-me para Askim…

 

Momento Penúltimo

– Sim, eu sei… tens toda… ou tiveste toda a razão em sentir-te assustada… mas… bem, primeiro, não, eu não ia todos os fins-de-semana a Oslo na esperança de te encontrar. Aí sim, seria um bocado, ou completamente doente! Sim, aí terias toda a razão. Mas, confesso que no fim-de-semana imediatamente a seguir fui por tua causa. Tinhas-me dado a tampa mais estúpida de sempre… quer dizer, não que eu já tivesse tido alguma – diz, com um sorriso brincalhão – Mas continuando… tinhas-me dado aquela tampa, deixado de responder às minhas mensagens ou atender o telefone… e olha… fui a Oslo ao café onde nos conhecemos, para ver se te encontrava lá, queria só conversar, que me dissesses cara a cara o que tinhas apenas dito numa estúpida mensagem… Ok, isso pode ter sido um bocado estranho… agora que já passou tanto tempo percebo isso… mas a verdade é que passei lá todo o dia!

         – Todo o dia como?

         – Todo o dia. Desde que abriu, de manhã, até que fechou, ao fim da tarde… – o seu olhar é de um menino que fez asneira. Gosto.

            – Estás a brincar!? – pergunto, surpreendida.

            – Não, estou a falar a sério – volta a confessar – Que queres?… O café lá é do melhor! – sorri – Mas pronto… Depois voltei para casa, e ia de vez em quando a Oslo. Askim pode ser assustadoramente pequeno, se passares lá todos os fins-de-semana. Fui cerca de duas ou três vezes até que te vi, no Café Con Bar. Ia um bocado… chateado. Algumas coisas por onde passava, faziam-me lembrar de ti, e eu próprio não conseguia perceber como é que, tendo passado apenas uma tarde e uma noite com alguém, me tinha deixado tão… agarrado. E ia, como dizia, chateado, e ver-te foi a gota de água… mais uma vez, desculpa…

         – Não, tiveste razão, eu merecia. E acredita… ainda bem que o fizeste.

         – Porquê?

         – Porque essa situação despertou uma natureza que eu nunca pensei existir… e apesar de tudo… já não sei se somos o que somos, ou se dependemos única e exclusivamente do que nos acontece, mas depois de ter percebido o que ele podia ser, e passado muito, muito tempo, em que consegui digerir a situação, dei-me como feliz por teres feito o que fizeste…

         – Então e… já agora… se tinhas essa impressão de mim como um obcecado total, porque é que não fugiste quando vim falar contigo?

         – Olha, nem sei. Acho que achei que te devia um pedido de desculpa. E havia sempre a possibilidade de eu estar errada, como percebi estar…

         – E agora?

         – E agora tomamos mais um café, e conversamos mais um bocadinho…

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