Textos

Trago-te

Ontem os teus olhitos andaram por aqui. Andaram por este albergue, pelo quarto lá em cima, pelas ruas sevilhanas, por aquele restaurante onde comemos aquelas tapas. E depois a outra. Os teus olhos andaram por aqui a olhar para mim, atravessaram aquela ponte e pediram uma, ou duas, ou três, ou quatro fotografias, até não ficar desfocado. Fica sempre desfocado. Os teus olhos andaram por aqui e no fim, naquele parque de estacionamento, fizeram-me um buraco na garganta. Os teus olhos de ontem tinham uma tristeza mais bonita que a dos dias anteriores, em que a exasperação e solidão toldavam, por vezes, partes da pessoa por quem me apaixonei. Os teus olhos de ontem, naquele parque de estacionamento, entraram dentro de mim e fizeram-me esquecer ser. Como posso ser todo se te amo assim? Amar-te assim é sentir que estou a fugir de ti. Sentir que estou a ir contra tudo o que é suposto fazer. Sentir que para cada lado há uma ponte a ruir. Mas amar-te assim é, também, virar tudo de pernas para o ar. É saber que posso ir ser eu sem arriscar que o meu amor se torne em fumo ou o teu em cinzas. Amar-te assim é deixar-te ali, atravessar a ponte lentamente a pensar nos teus abraços. É caminhar à beira-rio e sentar-me a pensar no quanto vou sentir a tua falta. No quanto vou sentir falta que te enrosques em mim e adormeças em três minutos. Amar-te assim é saber que posso olhar para dentro de mim e fazer aquilo que tenho de fazer sem arriscar que caias num poço desconhecido. Só contigo poderia ser quem sou desta forma. Só contigo posso gentilmente destruir todas as convenções e não me importar com o que esperam de mim. Porque contigo, eu faço sempre as coisas porque as quero fazer, nunca porque as tenho de fazer. Contigo eu sou completo e vertical, posso levantar-me e ver a VIDA da perspectiva de quem tem o coração livre de frustrações; aprisionado, quiçá, pelas contrariedades de diferentes vontades, mas nunca refém de adiamentos de momentos felizes. Assim, por tua causa, o meu coração já bateu mais vezes do que aquelas a que tem direito. Por tua causa o meu coração vive, tanto dentro do teu olhar marítimo, como no meu olhar dos sítios que me permites viver.

Agarrando-me como me agarras permites-me voar para sempre, e sou muito mais porque te trago comigo.

18h25, d, 16 de Fevereiro de 2014
Sevilha, Espanha

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