Estórias em Vão [2007]Ficção

Sozinha Outra Noite

Finalmente ela aceitou vir sair comigo. Espero que já tenha ultra­passado os preconceitos todos e siga o seu coração! O pior é se o seu coração não vai em direcção ao meu. Mas isso é outra história.

Olho ao espelho, acho que estou bem, calças e blusa preta, um colar de ouro discreto. Sim, estou bonita. E ela, ela de certeza esta­rá também, está sempre bonita. Ligo-lhe, diz que passa em minha casa primeiro com uma garrafa de vinho tinto. Tento não lhe dar a entender que não estava à espera desta proposta e adoro! Digo com uma voz calma que sim, acho uma boa ideia. Claro que mal desligo pareço uma desvairada, 100km/h a tentar arrumar tudo, pôr incen­so, umas velas a arder…

Passados quinze minutos chega. Traz uma blusa com riscas ver­melhas e brancas e umas calças pretas. O cabelo penteado magis­tralmente, um sorriso no rosto e uma garrafa na mão. A meia hora que levamos a beber a garrafa passa em menos de um trago. É assim quando estou com ela, o tempo não voa, desaparece.

– Queres ir ao Raatikellari dançar um pouco? –propõe. Já estamos um pouco embriagadas, porque o vinho foi coroado com dois shots de Salmari, a nossa típica bebida finlandesa.

– Sim, claro. – preferia ficar em casa a ver um filme, enroladinhas no sofá, mas pronto.

Quando chegamos, depois de pagar os três euros de entrada, pou­sar os casacos, fomos pedir uma bebida, para de seguida irmos dan­çar. Na pista passava música agradável, mas se não passasse seria o mesmo. Não estava muita gente, não estava pouca gente. Ficamos a dançar perto de um rapaz e duas raparigas. Elas seguramente fin­landesas e ele, seguramente não. Moreno, cabelo comprido e escuro apanhado atrás, vestido com jeans e t-shirt. Italiano, português…

Dançávamos efusivamente, e algumas pessoas olhavam para nós disfarçadamente (não tanto, ou eu não perceberia…). Consigo “puxá-la” para mim e começámos a dançar mais próximas. Tento beijá-la, mas ainda não é desta. Deixo-me levar e num momento é como se estivéssemos sozinhas na pista de dança. As minhas mãos viajam pelo seu corpo como se fosse o meu próprio, entram na sua camisa, sobem um pouco e tocam uma parte de seu seio. Ai, como uma puxada à realidade, ela abranda o ritmo e baixa a minha mão, com um sorriso. É, para mim, tempo de descanso e vou um minuto ao quarto de banho.

Claro que lá fico por mais que um minuto, era só uma forma de dizer. Olho-me ao espelho, ponho um sorriso que é tudo menos fal­so, já que estar com ela é um elixir de felicidade (se é que isto existe) e saio. E pronto, é aqui, neste preciso momento, que a minha noite acaba. Puta que pariu, estava a correr bem demais! A música deve ter piorado, porque toda a gente saiu da pista, à excepção de um casal, que dança, ou melhor, que se esfrega no centro da mesma. Ele feio e bruto, com parte da sua mão dentro das calcas dela, e ela, a minha menina, a minha paixão, a apunhalar-me duma maneira incrível. Fico no canto a fumar um cigarro, com as mãos a tremer. Porquê?

Mando-a foder no meu pensamento e vou-me. Não a mando fo­der no meu pensamento literalmente, porque a foder no meu pen­samento vai estar ela toda a noite com aquele cabrão! O que faço é pensar “Que se foda” e vou sentar-me para acalmar, antes que a arranque dos braços daquele troglodita.

No canto, em frente à mesa de Black Jack estão sentados a tal rapa­riga que parecia finlandesa, e o tal rapaz que parecia do sul da Euro­pa. Pergunto se me posso sentar e o rapaz faz cara de envergonhado e diz que não fala finlandês. A rapariga aproxima-se e digo-lhe que tenho de me acalmar e gostaria de me sentar na cadeira que sobra. Ela acede e assim o faço. Eles continuam a falar descontraidamente e eu começo, sem querer, a soltar lágrimas. Sempre a mesma merda de fim. No final, sempre sozinha. Olho à volta, toda a gente está com alguém: namorados, amigos, conhecidos, colegas de trabalho, e eu, mais uma vez, sozinha. Vou buscar o meu casaco, não me dou ao trabalho de lhe dizer adeus e saio.

Chego a casa e deito-me no sofá sem tirar a roupa, a chorar até adormecer…

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