Textos

Solidão

Ali estava ele. Em Man, na Costa do Marfim, no hotel mais barato que encontrara perto do centro. Ali estava ele, deitado na cama, de barriga para baixo, com os pés apontados à cabeceira por causa do carregador do computador, a ouvir Radiohead e a permitir que os dedos vivessem por si só. À sua frente o quarto-de-banho com o lavatório sem água nem cano, a sanita sem descarga, o chuveiro falecido, tudo
salvo por um balde verde de água que ele usara para tomar banho.

Do lado de cá, no quarto, a ventoinha à sua esquerda, a máquina fotográfica a carregar. À direita, ao lado, a Bicicleta, com quase todos os fechos abertos. Porque ele não podia nunca acordar e estar pronto em três minutos. Não, teria sempre de abrir quase tudo e deixar sempre ficar tudo assim para de manhã demorar meia hora a preparar-se.

Ali estava ele – sozinho. Pensava na velha máxima de estar sozinho mas não estar só, e pensava que era uma treta tremenda. Sim, estava sozinho, e sim, estava só! Mas não era um só de nódoa, que nasce de uma gota e vai-se espalhando fora de controlo. Era um só inteiro, bonito. Era um só de pedalar mundo fora e sentir que essa solidão era uma escolha. “Companhia, venha ela!” pensava o rapaz, quando questionado acerca do tema. “Mas a solidão não é tão má assim.”

A sua solidão desdobrava-se em várias. Como uma bela acácia, via os ramos espalharem-se em pequenas solidões que sentia em diferentes momentos. Alguns deles eram preenchidos, e subsequente e provisoriamente esquecidos. Aqueles que se prendiam com a solidão crua. Aqueles que se prendiam com a solidão de não ter ninguém a quem dizer “Olá”. Esses eram preenchidos por vezes pelas almas das famílias que lhe davam guarida na beira da estrada a troco de um ou dois sorrisos. Mas mesmo nesses momentos, outros ramos continuavam belos no Vento. Esses ramos eram aqueles da partilha, aqueles do “Hei, olha p’ráquilo”, do “’Tou cansado, pá!” ou do “Passa aí esse pau.” Esses ramos acariciavam-lhe a face. Quase todos os dias.

Mas ele não se importava minimamente. Não naquele momento, pelo menos, quando escrevia com um sorriso nos lábios. Ele pegava nesses ramos e esfregavaos no peito. Deixava-os dissolverem-se e correrem-lhe pelo sangue, pelo coração, pela VIDA toda. Ele adorava aquilo, porque ele queria adorar tudo. Ele estava bem, porque ele estava pleno! Com alguém, sem ninguém, ele estava bem. E adorava saber que, amanhã, ou depois, ou depois, talvez se sentisse triste como se caminhasse, ou pedalasse arrastando cada um desses gigantescos ramos pela estrada fora. Adorava saber isso porque ele queria adorar tudo, e adorava a imprevisibilidade de tudo o que vem com cada viagem, com cada dia. Ele queria
abraçar tudo o que existia no mundo e, naquele momento, ali deitado naqueles lençóis brancos às riscas coloridas, ele achava que conseguia! Porque ele tinha tudo naquele momento. Ele sentia o coração cheio de todo o amor que já lhe deram, de todo o que ele já dera, e de tudo o que ainda vinha por aí.

Ele sentia a Costa do Marfim, mas sentia também os seus sonhos para o futuro. Os sonhos para o dia seguinte e os sonhos para os anos seguintes

Ele sentia!

20h23, 4ª, 18 de Junho de 2014
Man, Costa do Marfim

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