Desalinho [2009]Ficção

Rita [Sonho]

            Pego numa flor, cheiro. Abro tudo o que posso de mim e deixo-a mergulhar no meu olhar com intensidade. A tontura que sinto em nada se assemelha à loucura que é respirar outro ser. Passeio lentamente pelos campos Ingleses e viajo com a palma das mãos deslizando entre os pequenos arbustos. O frio que sinto é estranho e desconfortável, mas ao mesmo tempo apelativo. Pede-me para ficar, pede-me para ficar duma forma que, nem entendo, nem me esforço por entender. As palavras por vezes fazem mais sentido quando desprovidas de lógica nem verdade. Deito-me nas tuas palavras perdidas e adormeço, saltando de planeta em planeta até estar junto de ti.

            Sonho. Sonho algo que passou, aconteceu, tive e não terei. Sonho com os meus próprios olhos cor de fogo, alegres e tempestivos, beijados pelo teu toque caloroso. Vejo-te a ver-me, olhar para os meus longos cabelos ruivos, a minha pele branca e feroz, o meu olhar perdido e nunca inocente. Vejo-te aproximar de mim, esticar os braços e pedir um ou dois segundos. Sem roupa nem pecado entrego-me a ti, viro do avesso as promessas do tempo, tomo as piores decisões e embriago-me com as tuas lágrimas.

            Acordo. A luz morre lentamente, o sol escapa-se um pouco, segundo a segundo, até desaparecer completamente, deixando um aroma não mais de frio confortável mas gélido e desesperado. Não tenho nada a fazer senão voltar para casa. A flor que cheirei, que matei, jaz nua no chão, ao meu lado, tremendo com questões, questionando o meu tremor.

Açambarco tanto quanto possa de tudo o que o mundo tem para me dar, na esperança de que esta overdose de sentimentos, ideias e sensações me possa fazer esquecer por alguns segundos a tua imagem cruelmente vincada. Nada sou senão o nosso passado.

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