Textos

Regresso Inesperado

E todos estes pensamentos e ideias e projectos eram coroados com a certeza de que voltaria. Sim, voltaria, claro que sim! África revelava-se uma amante misteriosa de personalidade fogosa. Dávamos as mãos, subíamos uma árvore e víamos o pôr-do-sol a beber uma garrafa de vinho que tirávamos de um cesto pendurado num galho. Os seus cabelos dançavam com a brisa à frente do meu rosto, às vezes enganchavam-se nas minhas pestanas sem me magoar, outras vezes agitavamse pacificamente frente às minhas narinas, imprimindo-me um forte aroma a terra. O galho partia e o cesto despedaçava-se e ríamo-nos, desequilibrandonos um pouco. Descíamos da árvore e, com o anúncio da noite, despíamo-nos e o dia nascia dentro dos nossos corações o serão todo, até trazermos ao nosso olhar a verdadeira noite onde o sonho reinava. Mas doutras vezes África pediame que a encontrasse no meio do deserto às duas da tarde e aparecia só às seis. Eu perguntava-lhe porque tinha demorado tanto e ela reagia como se eu lhe devesse alguma coisa ou tivesse feito algo de mal. Mas eu gostava dela, e tolerava isso. Caminhávamos deserto fora e eu, sequioso, desesperava, vendo-a verter água sobre os cabelos, como se eles fossem mais importantes que eu, como se tudo fosse mais importante que eu. Chegávamos à estrada, entrávamos no carro e sentávamo-nos em silêncio, eu a pensar no que teria feito de mal.

Mas eu voltaria, sempre. África tinha as mais variadas faces, e se as boas, tão frequentes, me faziam sentir bem-vindo, as más, que apareciam apenas de quando em vez, faziam-me sentir posto à prova, faziam-me sentir que ainda não percebia tudo, que ainda não conhecia tudo, que ainda não me tinha testado o suficiente. E, para me conhecer verdadeiramente, preciso de todo o tipo de novas situações. Não quero conhecer nuances de mim que aparecem derivadas de pequenas variações ao nível do conforto que experiencio. Não… Quando alguém atira a minha alma à parede, eu quero ver como é que ela cai. Quero conhecer-me todo e isso só me aparece quando abraço tudo o que pode acontecer em situações extremas. Não forço nada disso… porque nos momentos em que me estou a conhecer, tudo o que eu quero é que aquilo não esteja a acontecer. Porque sou só um humano que, por mais que tenha algum talento em ver o cómico e interessante das vicissitudes da VIDA, enquanto elas ocorrem, quer estar bem…

Por tudo isto, lanço-me em aventuras destas… Porque sei que o mais provável é eu ter experiências incríveis que me dêem a volta à cabeça. E porque sei que sofrer um pouco é o preço que tenho a pagar. E porque esse preço costuma trazer consigo grandes aprendizagens e sorrisos futuros quando em memória. Por tudo isto adoro viajar! Há pouco, na fila para o raio-x às bagagens, conheci uma italiana que vive em Moçambique e fala português. Sentámo-nos a conversar, durante as duas horas que esperámos para embarcar, e ela disse que quando eu falava nas minhas viagens, parecia que os meus olhos sorriam. Gostei de ouvir isso.

Estou a sentir-me bem, méne! Talvez o copo de vinho já esteja a dar cartas para os meus neurónios que não sabem jogar póquer, mas a verdade é que, neste avião onde nunca pensei estar, me sinto bem. Ouço Ornatos agora e amanhã vou fazerte chorar. Pela melhor das razões.

00h00, 6ª, 26 de Dezembro de 2014
a voar sob o Egipto, a caminho de ti.

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