Incrível como o tempo faz reféns de todos nós. Ora nos chuta para um canto, ora nos promete um para-sempre. Faz de nós seres que vivem iludidos com a sua não-passagem, se bem que sempre receosos com tal. Dá-nos amargas memórias, dá-nos belas imagens passadas, dá-nos sorrisos, dá-nos cantorias e tristezas. O tempo. O tempo fascina-me. A sua óbvia relatividade, mais que tudo, deixa-me a ver a minha VIDA já toda passada e, ao mesmo tempo, eterna.
Dizem que o tempo é um conceito humano. Criámos então algo que nos arrasta túnel adentro a uma velocidade que não considerámos quando o criámos. Lançamo-nos com as garras a escorregar pela ilusão de que podemos fazer alguma coisa durar para sempre, e fraquejamos quando confrontados com tal impossibilidade. Méne, como me sinto, agora mesmo! Estou sentado fora do meu quarto a um quilómetro de Lastourville. Jantei com os meus anfitriões e depois, como a mamã estava com dores de costas, fui buscar um Paracetamol para ela tomar. A lâmpada do meu quarto, uma raridade nas últimas semanas, só desligava se a desenroscasse.
Cheguei aqui, falei com o chefe, fui tomar banho ao rio, debaixo das árvores, esfreguei as roupas com força com o sabonete à mistura, pendurei-as no quarto, na diária ilusão de que no dia seguinte estariam secas.
Que dias tenho vivido, que VIDA tenho vivido! Tenho trinta anos, a menos de um mês dos trinta e um, e ando alegremente perdido, de acordo com os padrões mais normais. Quanto a voltar, só sei que voltarei para o seio da família mais feliz do mundo, que sou eu e tu. Não sei para que trabalho vou voltar, para que rotina, para que nada! Mas não me importa. Só estou perdido de acordo com os padrões dos outros, e está tudo bem assim. Com o meu padrão, é verdade que não estou certo de nada, é verdade que se possa dizer que ando perdido, sim… Mas todo o cariz de tal estado muda completamente. Com o meu padrão, estar perdido é estar bem. Tenho ideias em relação ao futuro, e projectos, e sonhos, é bem verdade. Mas não sei nada… nada é certo, nada é claro. Quero continuar a escrever, quero continuar a ser feliz, quero continuar a ser isto tudo. Não sei se será possível, mas tal meta é mais clara que um dia nítido qualquer.
Estou um tudo nada embriagado, e ouço Sun Kil Moon, “Carry Me Ohio”, e sinto-me bem. Que dias tive, que dias tive…
Tenho sentido saudades de casa. Mas é tudo por ti. Tenho saudades da VIDA que nos vejo viver. Quero tê-la agora mesmo, mas também quero estar aqui agora mesmo. Pedalo África fora sempre contigo ao meu lado, sempre contigo a fazer as minhas pernas seguirem, sempre contigo. Estou feliz! Depois de talvez quinhentos quilómetros de terra, a estrada volta ao alcatrão e o Congo já me sorri. Já não me faz mossa ter tido que voar do Togo para aqui. Quando parti, receei que a viagem pudesse ter morrido um pouco, ou tivesse ganho uma deficiência qualquer. Mas já não sinto nada disso. Os quilómetros e as penosas horas a remendar pneus libertaram-me de tudo isso. Estou no Gabão, estou em África, e não sei nada do que vem mas sei que vou vivê-lo com força.
Seja o que for.
Amo-te.
Perto de Lastourville, Gabão
20h47, 5ª, 4 de Dezembro de 2014