Textos

Liberdade

É uma menos um quarto. Eles pediram-me para mostrar música da qual eu gosto. Pus Bob Dylan, Maggie’s Farm. Estamos quatro no quarto. Eu, o Steve, que conheci em Erbil em casa do Andrew, o Akam, e o Ahmed, amigo do último. Pessoal altamente, que não conhece Bob Dylan, ou Bruce Springsteen, ou Nirvana. Já tinha percebido a cena na Síria – que, tanto quanto me parece, as verdadeiras estrelas mundiais não são os cantores ou os actores, mas os futebolistas. Se eu tivesse um cêntimo por cada t-shirt do Ronny Cristy que eu vi nesta viagem tinha já p’rai… trezentos cêntimos.

Méne, deu-me um certo sentimento agora. Que liberdade! Vi-me a mim mesmo pendurado no destino rodoviário, a falar comigo mesmo, como faço, sorrir para a chuvita, minha companheira de vez em quando, desde Portugal até para sempre, e curti bué. Estou tão à vontade nesta viagem. Sentimentos nem por isso agradáveis por vezes fazem-se sentir, como um candeeiro de solidão ou uma toalha de mesa de saudades, mas são retalhos enquadrados num quadro tão global quanto a imensidão da noção de fazer o que está certo. Não tive medo ainda nesta viagem. Nunca. Já estive apreensivo, algumas vezes, mas ainda não tive medo mesmo. E acho que não terei. Tive receio por antecipação, ao pensar em, por exemplo, andar à boleia no Iraque, mas tendo-o feito… são… batatas fritas… Amanhã sigo para o Irão. Era para ter ido hoje, mas ainda bem que não fui. Vi a felicidade de frente hoje, espelhada na cara do meu anfitrião, nos seus amigos a tocar instrumentos locais ao redor de uma farta mesa, naquele lago que há dez anos estava tão mais acima… Tudo isto, todas estas pequenas coisas, directamente injectadas no âmago do meu coração, tudo isto mais ou menos perto da consciência de viver momentos inesquecíveis.

1h14, 4ª, 23 de Março de 2011
Sulaymaniyah, Curdistão, Iraque

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