Desalinho [2009]Ficção

JR

Penso vezes sem conta na minha decisão. Disseco cada segundo do meu passado e tento viver de novo o momento em que decidi vir, sair, para poder fazer diferente. Vejo os meus dedos a beijar o teclado, os meus olhos passearem pela proposta de dois meses em Balsall Common, esse planeta desconhecido que, a alguns milhares de quilómetros de distância, me tenta seduzir. Quero saltar para esse passado para poder escolher diferente. Odeio-me por isso. Odeio-me por o querer fazer e estranho-me totalmente por saber que não o faria, tivesse eu mais mil viagens a esse momento…

            Penso no meu dia-a-dia, penso nas ilusões que alimentei e em como em tantos casos não mais que isso foram. Ilusões e promessas de algo diferente. Penso no meu dia-a-dia, mas volto a pensar. Concentro-me nas palavras que me dizem, nos conselhos que me dão. Fazem-me sentido. Sentir esta dor que sinto e o massacrador peso da saudade criará uma J. diferente. Alimenta a minha VIDA com estórias, alimenta o meu ser com pensamentos, que me inundam e me deixam confusa. Percorro o meu caminho de todos os dias, divertida aprecio o clima intermitente Inglês, que ora me brinda com viscosas gotas de água que servem apenas para destruir o meu penteado, ora oferece aos meus olhos a magnífica visão dos bravos raios solares ganharem a dura batalha que é oferecer um pouco de calor a quem por terras Britânicas se aventura. Penso no meu dia-a-dia… mas volto a pensar. Paro uns segundos que, gozões, em minutos se transformam enquanto enrolo um doce cigarro, e entrego-me à estrada e às dezenas de metros que me separam de onde posso ser um pouquinho mais feliz. Ouço Ryan Farish, sinto a minha alma dançar um pouquinho com a sua melodia, à medida em que me sento na sebe de madeira molhada. Fecho os olhos e quero ser tudo o que me rodeia. Sinto-me pequenina mas extremamente importante para o equilíbrio do mundo que me abraça. Penso no que por vezes me dizem, e na incompreensão que me mostram acerca de como posso gostar tanto de algo tão simples. O cheiro a lavanda da planta que apanhei minutos antes agarra-se aos meus sentidos, o verde que tenho diante de mim faz-me feliz. Penso e volto a pensar. Penso em como sei que, no final, tudo valerá a pena. As pequenas batalhas do dia-a-dia, por mais que custem passar parecem desaparecer, ou transformar-se, nos momentos em que me vejo apenas comigo, no meio de tudo o que mais amo, a natureza que não faz mal a ninguém. Penso, penso, penso. Não consigo, tampouco o quero, deixar de o fazer. Os pensamentos misturam-se com imagens de sorrisos caseiros nunca esquecidos, e a vontade de voltar volta a fazer-se sentir. Entrego-me ao futuro e vejo-me chegar, descendo, imperial, as escadas do avião, alguns artigos na mala e nada além de orgulho na bagagem. Vejo os rostos dos meus amigos e vejo-me chorar de alegria por os ver. Penso se realmente pensarei, ou terei consciência do importante que isto está a ser para mim, e da maneira como recordarei os dias aqui passados, para sempre. Penso no porquê de me sentir triste por ter finalmente deixado o berço, se sempre o quis fazer. É difícil, e a resposta afigura-se difícil. Queria tê-la diante de mim, quem sabe um pedaço de verdade traria consigo alguma paz e sossego. Sim, traria alguma paz e sossego, mas tenho vinte anos, que farei com paz e sossego?

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