Desalinho [2009]Ficção

Jovem

XX

– O que temes? – pergunta-me o doce e apaparicado menino de vinte anos.

            – O que temo? – respondo, perguntando, tentando ganhar algum tempo para responder a sua simples mas inteligente questão. Sorri-me, dizendo-me sem se pronunciar que não repetirá a questão. Fecho os olhos, beijo-o mais uma vez, e tento explicar-lhe, com um subtil olhar, os milhares de quilómetros que nos separam. Não me responde, sentindo eu que a minha inexistente resposta não chegou à sua atenção. Como explicar o que se teme, quando se batalha por não o querer saber? – Porque tens de pensar tanto nas coisas, e não podes simplesmente abraçar este momento? – respondo, fugindo à sua questão, enquanto pego no seu braço e forço um carinho, suavemente, no meu pescoço.

            – Porque já não consigo viver sem ti. Já não consigo sobreviver com a mera ideia de que o que se está a passar é apenas uma louca aventura. Já não me consigo agarrar à excitação que me dava estar com uma mulher casada trinta anos mais velha que eu… – diz-me, cruamente. O peso das suas inocentes palavras apenas acentuam o peso das minhas rugas. Começa a nascer algo que eu própria nunca previ, e que se revela assustadoramente real. Se por um lado tento zombar dos sentimentos do pobre jovem, tentando mostrar-me a mim própria como passiva e intocável, por outro, receio admitir que o que ele diz é o que eu penso vezes sem conta. Estico ao máximo as horas em que estou na sua presença, sofro como nunca quando longe. Já deixei de o ver como “o meu jovem” e já o vejo como… “o meu homem”. Como me é estranho dizer isto!…

            – Queres agarrar-te a quê? – pergunto, brincando com o seu cabelo. Temo a sua resposta. Seja o que for, não vou gostar. Seja aquilo de que não goste, o passado que implicou, o presente que implica ou o futuro que pode implicar. Cada desfecho é assustador, cada alternativa relembra a possibilidade de tudo o que se passou entre nós ser um erro.

            – Quero assumir o que temos, ou desaparecer, ou fazer alguma coisa! Fazer alguma coisa que nos permita estar juntos sempre que nos apetecer, sem estas mentiras e arranjos… – diz, elevando-se. Estava deitado na cama, de barriga para baixo, agora olha-me doutra perspectiva, com os cotovelos apoiados no confidente colchão. Vejo o seu olhar carregado de algo que me parece uma mistura de desespero e esperança. Não faço a mínima ideia do que lhe responder. O que eu queria fazer era largar tudo, e assumir, para poder, como ele diz, estar junto de si a toda a hora…

            O que tenho a favor é “apenas” um ponto, o que tenho contra são inúmeros. E como pode apenas este ponto colocar numa situação tão frágil tudo o resto? Como podem algumas coisas, por mais simples que sejam, ser tão poderosas a ponto de nos fazerem questionar tudo? Admito que me perturbaria imenso saber que as pessoas falavam de mim na rua. Sei que a ele não, é romântico e jovem… e isso é apenas outro pormenor que me faz afastar terrivelmente a possibilidade de termos um futuro.

         XY

            – Tu não queres estar comigo… – diz-me, tristemente. Preparava-me para uma rejeição, mas esta frase… não sei bem em que categoria a posso incorporar dentro de mim…

            – Que queres dizer com isso? – pergunto. Tento apanhar o seu olhar, puxá-lo para mim para quem sabe mexer na sua opinião, mas olha algures que não para mim…

            – Tu tens a VIDA toda pela frente! Tens a universidade, paixões para viver, erros para cometer… eu estou no processo completamente invertido… estou a descer…

         – Mas – tento interromper.

            – A cada segundo que passa sentes mais VIDA dentro de ti, eu sei-o bem. Mas eu, a cada segundo que passa, sinto menos VIDA dentro de mim! E não penses que vou querer roubar-te um segundo da tua jovialidade…

 

         XX

 

         – Mas será que não posso ter algo a dizer em relação à minha própria felicidade? – pergunta-me, quase irritado – É quase certo que se ficares comigo, não vou viver toda a minha VIDA do teu lado! – faz uma pausa, imagino que ganhe coragem para dizer o que tem a dizer – Provavelmente morrerás muitos anos antes de mim, e a minha VIDA continuará. Mas isso está tão longe… Já é tarde demais para procurar o meu primeiro amor! Encontrei-o em ti, e não ficarmos juntos vai apenas deixar-me amargurado!

         – Mas

         – Não há “mas” que possas dizer! É a verdade… – impossível saber a razão que tenho, o sentido que as suas palavras fazem em mim. Se ouvisse a mesma estória contada por outras pessoas, o que sinto dentro de mim seria estúpido e irresponsável. Mas a diferença que vai entre o que nos contam e o que sentimos será sempre, ela mesma, estúpida, e eventualmente sem sentido. A decisão que eu quero tomar é apenas uma. Desaparecer. Assumir, admitir, seja o que for, e entregar o meu amor ao jovem de vinte anos que traz consigo tal sentimento pela primeira vez… É difícil, como é, afastar a maneira como o mundo, por detrás do meu ombro, espreita cada jogada e opção que tomo, mas a minha vontade é uma…

            XY

 

         O desespero que sinto quer explodir em lágrimas. Aguento-as, sinto que isso apenas a relembraria da minha tenra idade, sinto que viajaria instantaneamente ao primeiro momento, em que eu não era um homem aos seus olhos, mas um interessante rapaz. Sei a sua resposta.

            – Tudo bem, querido, tens razão – diz-me, passeando seus dedos pelo meu braço. Sinto adrenalina inundar o meu ser, e a eventualidade da minha previsão estar errada deixa-me perto do êxtase – Vamos assumir o que temos, e ser felizes tanto quanto possamos!

 

         XX

 

         Dei voz aos sentimentos que tinha dentro de mim e senti-me estranhamente confortável e feliz perante a ideia de futuro que se começava a desenhar. Porque não? Tenho cinquenta anos e ele tem vinte, mas será isso assim tão errado? Sou casada, e isso é errado de acordo com quem gere as nossas VIDAS e tomas as nossas decisões. Mas não será mil vezes mais errado viver em relações cujo sentimento é um mero nada a que nos agarramos? Sim. Será difícil, mas vê-lo a um metro de mim dá-me o conforto e a energia para enfrentar tudo o que terei de enfrentar. A ideia de o ter comigo sempre que quero, a ideia de poder pousar em si os meus olhos é apenas um milhão de vezes melhor que a tristeza de lhe dizer adeus para sempre. O futuro não será tão longo assim, mas o presente será bestial…

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