É tudo tão bonito. Os movimentos, aquele carro a ir para a minha esquerda, os miúdos com a bolita laranja que às vezes fica presa na árvore. É tudo tão, tão bonito. Não aqui, não aí, mas em todo o lugar. O simples existir das coisas e das pessoas tem uma trágica beleza que me deixa sem fôlego. A maneira como o presente, dividido para sempre em anos, meses, semanas, dias, horas, minutos, sempre nos escapa, revelando uma espécie de não-existência, traz consigo uma beleza do mais triste que pode existir. Mas é uma tristeza tipo fado, é uma tristeza em que uma pessoa pensa e sorri. É uma beleza triste, também, no sentido estrito do termo, porque tudo é tão bonito e um dia deixará de ser, um dia arderá. São então tudo memórias. Vivemos, ou tentamos viver intensamente essa espécie de presente na esperança de que fique bem onde sempre pertenceu, o passado. Vivemos toda a VIDA à espera de um momento que sempre existiu no futuro e que passa por nós a uma velocidade imperiosa para o passado sem nos dar um “Olá” ou um mero abraço. Vivemos para podermos no futuro beneficiar desses momentos que aconteceram lá atrás. Não acho isto mal. Viver para memórias. Porque pelo meio há aí uns tropeções, umas ilusões de presente em que estamos tão contentes, tão contentes por estar ali com alguém, ali com alguma coisa. Estamos ali uma hora e ao longo dessa hora sentimos que essa hora está no presente, ignorantes do facto de que é tudo partes de passado e futuro, pois não podemos dizer a meio dessa hora que todos os momentos são presente, do mesmo modo que não podemos dizer no meio da nossa VIDA que todo o momento dentro da mesma é presente. Mas essas ilusões de presente, de que a VIDA não aconteceu toda já, à escala universal, deixa-nos a sorrir, deixa-nos bem, deixa-nos com todo
um mundo cá dentro onde cabe todo o passado e tudo o que o futuro tiver para nos dar.
E é para isso que vivo, para que a memória dum sorriso, um sorriso me traga.
17h56, 6ª, 12 de Junho de 2015
Oshivelo, Namíbia