Textos

Dias Especiais

É que, quando em viagem, todos os dias, todas as noites, são especiais! Ora estou em Freetown, na capital de um país que nunca pensei vir a conhecer, ora na melhor praia onde já alguma vez estive, ora a alguns quilómetros da fronteira num hotel merdoso depois de ter sido intimidado pela polícia, ora em Mangata, sentado a conversar com pessoas que me arranjaram um quarto na hora, ora em Conacri com o meu anfitrião chinês a jogar ténis! Posso andar para trás até ao momento em que mandei o meu hasta luego e me lancei estrada fora em Vale de Cambra no dia 4 de Fevereiro. Porque há todo um sentimento em viagem que se apodera de mim. Há toda uma asa de novidade e surpresa que me encosta à parede e me obriga a perceber que hei, estou vivo, pá! Estou aqui! Há todo um elemento de instabilidade de não saber quase nunca onde vou estar no dia seguinte, onde vou dormir, o que vou comer, e quem vou conhecer, que me deixa tão enamorado desta ideia como da VIDA. É a minha VIDA, isto! É isto que quero para mim. Namorar eternamente com a linha que me afasta da perdição da viagem eterna, da linha que me deixa andar para a frente sem medo que ela parta. Quero ter sempre tudo! Quero ter sempre tudo dentro de mim, quero ter memórias, histórias para viver e para contar. Quero descoser-me todo a ver um prato de comida quente, um pôr-do-sol no deserto ou putos a brincar como os nossos lá em Portugal. Quero aperceber-me das diferenças, daquilo que nos separa enquanto nações e enquanto seres humanos, mas quero também aperceber-me daquilo que nos une, daquilo que nos torna mais irmãos, unos, juntos! Quero estar sentado a tomar café e a topar uma rapariga a dar bola a um rapaz e aperceber-me que aquela exacta situação podia ser em Portugal. Quero olhar para um gajo a fumar um charro diante da sua família inteira e aperceber-me de que aquela exacta situação nunca poderia ser em Portugal. Quero estas diferenças e estas igualdades todas para me confundirem e ter, em diferentes momentos, diferentes opiniões acerca da mesma coisa, sendo eu então nada mais que o pálido reflexo daquilo que o mundo é, uma fonte de linhas paralelas com tendência ao novelo.

E por isto tudo vivo mais por viajar. Porque os dias ficam mais em mim. Cada segundo vem mais carregado com constatação de momentos, e cada dia deixa em si um rasto mais difícil de apagar do que quando estou com VIDA rotineira. Quando não estou em viagem é mais difícil saber o que estava a fazer há onze dias atrás. Os dias são mais parecidos e misturam-se com as paredes de uma forma mais enganadora.

Em viagem, ou pelo menos da forma como tento viver a minha viagem – todos os dias são especiais

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