Estórias em Vão [2007]Ficção

Como Estou…

Hei… Que dor foi esta? Provavelmente nada de especial… Mas tenho de falar com o médico, estas pontadas no coração estão a as­sustar-me. Na, provavelmente nada de especial…

Foda-se pá… já fui mais novo… Deixa-me olhar para mim, dei­xa-me olhar à minha volta… À minha frente, uma gaja qualquer dança, seminua, tão farta de dançar como eu de a ver. Dou-lhe 10€ e peço-lhe para ir para outro lado. Na minha mão direita um copo de JB 15 anos, talvez o sexto, sétimo, não faço a mínima ideia… Na mão esquerda um charuto, que deixei morrer há alguns segundos. Levanto-me e vou ao quarto de banho.

Olho para o espelho. Será que as outras pessoas vêem o que esta por detrás de mim?… O que está por detrás deste fato cinzento, elegante de 200 contos? O menino perdido que está dentro do ho­mem carismático que todos conhecem… Algures no tempo perdi o rumo da minha VIDA. Continuo rico como um porco (porquê estar com falsas modéstias?), os meus filhos só me ligam quando precisam de alguma coisa, não me lembro da última vez que vi o meu neto. Mas será que a culpa é mesmo deles? Sempre fui um arrogante e egoísta…

Molho as mãos e passo-as pelo cabelo grisalho. Olho os meus olhos fundos no espelho. Pena de mim. Que é que eu fiz a mim próprio? Quando é que ganhar dinheiro, passar por cima dos outros, passou a ser o meu único interesse?44

– Estou, filho?

– Pai?

– Sim, estás em casa? [ouco barulho, deve certamente estar a ter um jantar com amigos em casa]

– Sim, estou, porquê, está tudo bem?

– Sim, está tudo bem, só queria ver se dava para dar pulo até ai…

– Pai, é quase uma da manhã! [o barulho desce um pouco]

– Sim, mas já não vos vejo há muito tempo. Até podia ficar aí, e amanhã íamos fazer alguma coisa os dois, como quando eras peque­no! E levamos o Jorginho, tenho saudades dele também!…

– Pai desculpa, mas vou já dormir, e amanhã tenho um compro­misso…

– Ah, sim, claro. Tudo bem, eu compreendo…

Estou sozinho, completamente sozinho… Até o meu filho inventa estas coisas… Saio do quarto de banho, saio do pub. Meto as mãos nos bolsos e olho para o céu. Está uma noite clara, a lua cheia dá um tom azulado ao céu. Um vento frio corre-me o corpo, mas agrada-me. Penso que certamente não será tarde de mais, acredito que nun­ca é tarde de mais. Encho-me de esperança que ainda vou a tempo de tudo mudar, e vou-me…

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