Textos

Amor & Amizades

Aí está ela, a calma tristeza que se veste de velhinho dentro de cobertores quentinhos. A tristeza que posso usar com um sorriso simpático de bom rapaz que sinto que me atribui uma aura diferente. Estou novamente sozinho. De Vale de Cambra a Agadir pedalei em boas companhias, fossem elas do meu pai e avós que me seguiam de carro, amigos que me albergavam, o Kidus que seguia até Sevilha ou o Joel que, ora atrás, ora à frente, pedalava comigo. De Agadir a Dakhla experimentei o deserto sem ninguém, mas rapidamente me vi inserido numa caravana de quatro pessoas com quem passei quase um mês.

Liguei ao Will há pouco, que me disse que iam ficar mais uns dias em SaintLouis, a ajudar o Peti a construir um quarto-de-banho para os seus meninos. Fiquei contente por eles, por terem a oportunidade de ajudar, fiquei com pena de não estar lá, e fiquei com pena de, afinal, já não ter amanhã a companhia do Dany e da Justine. Por aqui está-se melhor com companhia. Será demais dizer que, onde quer que estejamos, está-se sempre melhor com companhia?

Hoje, quando acordámos, o Peti convidou-nos a ficar mais um pouco. Depois o Diau. “Tenho um longo caminho pela frente, vou hoje.” Queria ficar, queria ir, queria ficar, queria ir. Arranjei as minhas coisas, tirámos a fotografia de grupo, arrastei a bicicleta pelas ruas de areia do bairro do meu anfitrião, e chegámos à encruzilhada. “Para dizer adeus, despedimo-nos com a mão esquerda, porque quer dizer que nos vamos voltar a ver.”

Abraço ao Will, beijo e abraço à Justine.

Abraço ao Dany. “Eu queria ir hoje, mas a Justine quer ficar mais tempo…” O canadiano volta-se para ir embora mas pára logo. Volta a ver-me de frente e entrega-me um ovo azul com o que parecem ser missangas no interior e um papel, tudo mais ou menos embrulhado num aperto de mão. “É melhor dar-te isto agora, porque nunca se sabe…”

Sem ler aquele papel percebi que o que sentia por ele era mútuo. A pedalar para cada vez mais longe, pensava nas conversas que tínhamos tido, na curiosidade espectacular dele e na sua vontade de ser cada vez uma pessoa melhor e pensava, com um sorriso, nas coisas que tínhamos em comum.

“Quando eu era puto, e ainda hoje, tenho de confessar… queria mesmo, um dia, salvar uma VIDA!” dizia, duas noites antes, caminhávamos para um bar perto do bairro do Peti.

“Eu também!” respondi, entusiasmado, e até meio aliviado, por ouvir outra pessoa a dizer o mesmo.

“Para mim acho que é porque… hum… eu quero muito ser… bom… fazer algo de bom no mundo… e acho que salvar uma VIDA é o epítome disso! É real, dá para ver, não há volta a dar! E para ti?”

“É isso” respondeu o barbudo, com um sorriso. Pensava nas horas que passáramos a jogar ao “Preferes”, por exemplo “ter um pelo na garganta para sempre e estar sempre aham, aham ou ter um grão de areia debaixo da pálpebra?” e em como ele finalmente tinha encontrado um “Preferes” ao qual eu não queria responder. Agora, sentado aqui neste sofá de padrão de zebra, abro o papel.

Um pouco como a história sobre o dominó, esta também tem alguma magia. Uma velha senhora canadiana deu-mo no Peru. Disse-me que este ovo era um viajante, mas é um viajante que viaja através da amizade, do amor, inspiração e beleza (como forma poética) por incríveis cenários, paisagens e países.

Uma vez eu inspirei esta senhora falando ao longo de noites inteiras, sobre tudo, sobre nada, sobre nós, sobre eles, tudo. Lembrá-la-ei para sempre, Para sempre! E vou lembrar-me de ti para sempre também! É certo que falámos e eu senti-me tocado por isso, mas também pelo teu silêncio, pela tua… maneira de agir, de pensar… aprendi!

OBRIGADO RAPAZ! BIG LOVE

DAN

E é isto! As pessoas são tão espectaculares que às vezes apetece-me chorar! Gosto disto tudo, pá! Apetece-me bater nas teclas o mais rápido possível e escrever à sorte qualquer coisa só para explicar o quanto as pessoas me movem, o quão felizardo me sinto agora mesmo por ter a oportunidade de habitar estes mundos todos, cada um nas mentes que visito aqui e ali. Estou forte, sinto-me forte. Ouço uma música que também mexe em mim, e sinto que o que trago cá dentro, o amor que sinto pelos amigos de longa data e pelos que ainda não conheci, oferece-me um escudo contra qualquer infortúnio que possa vir no meu caminho daqui ao Cabo da Boa Esperança, daqui ao fim da VIDA. O amor faz-me sentir intocável. Não me convence, realmente, de que ninguém me pode fazer mal, mas convenceme de que nada, nem ninguém, me pode quebrar. O amor faz-me forte, de dentro para fora e isso, por sua vez, deixa-me pasmado… pois como pode algo invisível fazer alguém ver tão bem?

Não me quero nunca fechar ao amor.

O amor não é finito.

Como sou assim, às vezes as pessoas não me levam a sério. Como tenho a tendência de gostar de tudo e de toda a gente, as pessoas às vezes desvalorizam o que por aqui vai. Porque se eu tendo a gostar de tudo e de todos, então na verdade não é assim tão especial se digo que gosto muito delas. E isto, passando o debate que tal suscita, deixa-me um bocado triste. Não me deixa deprimido, mas deixame triste pela necessidade que as pessoas têm de se sentirem especiais lhes tolde a visão de algo que, não obstante invisível, está ali mesmo à frente.

Porém, gosto de ser assim. Gosto de gostar da gente. A minha VIDA é mais fácil, é mais colorida e é isso que me faz mais forte. Gosto de gostar das pessoas e de lhes dar oportunidades para mudarem para melhor. Gosto de pensar que se elas foram parvas para mim uma vez, isso não faz delas parvas, e se delas
parvas fizer por serem comportamentos repetidos, parvas para sempre não têm de ser. Gosto de acreditar que podem mudar, pois se a mudança é algo que ocupa a minha mente constantemente, e se quero ser melhor hoje do que há uns dias, quem seria eu se às outras pessoas isso não permitisse?

Ah, estou bem!

21h47, 4ª, 23 de Abril de 2014
Zebrabar, Senegal

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