Estórias em Vão [2007]Ficção

“Agora”

– Diz que vais amar-me para sempre.

– Sabes que nunca penso no futuro…

Foi de mais… Estávamos deitados, nus, no chão por cima do edre­dão de sua cama. Ele estava deitado de barriga para cima, e eu, a seu lado, deitada de barriga para baixo, vendo duas gotas de suor escorrerem pelo seu pescoço. Mas esta resposta que me deu, foi de mais para mim. Estava cansada daquele estilo de VIDA, daquela velocidade. Desde que o conheci, abandonei o meu tricot, para subs­titui-lo por tardes passadas na parte de trás duma moto4, a apanhar com lama e agarradinha a ele… Substitui as minhas tardes calmas a ler Ary dos Santos, por tardes passadas na praia de Espinho, à chuva a vê-lo surfar… Substituí as minhas noites calmas na minha cama, por noites passadas ao relento, ao som de bichos que eu nem sabia nomear. Tentei, tentei tudo por ele, mudei meus hábitos, mudei-me, e ele, nem uma coisa destas consegue dizer?… Mas é tão injusto que pense isto ao mesmo tempo… Desde o primeiro momento, em que nos beijamos na fila para entrar no Teatro, que me disse:

– Eu gosto de ti, gosto muito de ti e gosto de estar contigo. Mas não sei se gostas da maneira como encaro a VIDA. Contudo é justo dizer-te, que não consigo, nem quero, mudar… Se ficares comigo, tudo o que te posso dar é o “agora”, nunca me pecas o “amanhã”.

Sorri e disse-lhe:

– Eu agora… Quero ficar contigo…48

Mas agora, que penso nesse ontem, sei que desejava um amanhã. Alguma certeza. Será que as pessoas são o que são, e não podem mudar?… Eu tentei, Deus sabe como tentei, adaptar-me ao teu esti­lo de VIDA, mas andava sempre como que incompleta. O que me completava era estar a teu lado, fazer amor, perder-me, de olhos fe­chados, em tudo o que era teu. Preços que temos que pagar… Será?

– Desculpa, sempre estive errada. Bem sabes que o meu “agora” sempre foi diferente do teu… Desculpa. – Levantei-me e comecei a vestir-me. Quando acabei, dirigi-me devagar para a porta.

– Sempre o soube, mas neste “agora” tinha-te, e era tudo o que me interessava. Adeus, ficarás sempre no meu passado. – Disse ele, com uma voz carinhosa e resignada que não esperava. Sorri, pensei no que passamos juntos e, convicta de que o amaria para sempre, sai do quarto.

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