Estórias em Vão [2007]Ficção

“Agora” [Outro Ponto de Vista]

– Diz-me que vais amar-me para sempre. – Acho que foi aqui, nes­te preciso instante, que vi tudo acabar. Não que fosse uma pergunta inédita, já tínhamos falado nisso algumas vezes, sem acabar com a relação. Mas naquele instante, no momento em que foi, na altura da nossa relação, tudo parecia dizer-me que aquela pergunta encerrava tudo. Estávamos deitados, eu de barriga para cima, ela a meu lado. Podia ter dito mil e uma coisas, mudar de assunto, fazer promessas, mas eu não sou assim… Se calhar devia ser, mas não sou. Bem, mas não interessa nada isso, tive de dizer o que ia dentro de mim…

– Sabes que nunca penso no futuro. – Disse, continuando a mirar o tecto. Não estava a olhar para ela, mas poderia descrever exacta­mente a sua expressão. Acho que no fundo já sabia o que ia respon­der. Não sei… Não consigo, não quero mudar. Sei que devia fazer cedências, tentar mudar, mas conheço-me, e sei que se não for fiel a mim mesmo não me sinto bem. Mas eu tentei, ela seguramente pensa que não, mas tentei. Quantas noites cheguei a sua casa com um filme e pipocas, disposto a passar uma noite sossegada com ela? E quantas vezes ela adormecera no sofá, deixando-me a ver o filme “sozinho”? Não a condenava, subia-lhe o cobertor, dava-lhe um beijo na cabeça e ia lá fora, respirar a noite e pensar.

Levantou-se e começou a vestir-se. Eu olhava para ela, como que tentando gravar na minha memória estes últimos momentos passa­dos com ela. Apesar de tão diferente de mim, nos últimos tempos, desde que entrara na minha VIDA contribuíra para uma certa esta­bilidade, um “não me sentir sozinho”. Adorava-a, e gostava de estar 50

com ela. Não sei se vamos continuar a ser amigos ou não, acho difícil, estar com ela como amigo, talvez sempre a pensar no que passou… Não acabamos a relação chateados, isso não. Desde o inicio, quando no Teatro Gil Vicente íamos ver aquela peça (que não me recordo), beijamo-nos, como que num acto de confirmação do romance que crescia de dia para dia, e fiz questão de lhe dizer:

– Eu gosto de ti, gosto muito de ti e gosto de estar contigo. Mas não sei se gostas da maneira como encaro a VIDA. Contudo é justo dizer-te, que não consigo, nem quero, mudar… Se ficares comigo, tudo o que te posso dar é o “agora”, nunca me pecas o “amanhã”. – Ela sorriu e disse que naquele “agora” queria estar comigo.

E assim fomos vivendo um “agora” juntos, quase sempre a 200 à hora, acompanhando a minha maneira de viver. Enganava-me a mim próprio, dizendo que ela gostava, mas reparava num olhar dis­tante e quase triste que por vezes deixava escapar.

Antes de começar a vestir-se disse-me…

– Desculpa, sempre estive errada. Bem sabes que o meu “agora” sempre foi diferente do teu… Desculpa.

– Sempre o soube, mas neste “agora” tinha-te, e era tudo o que me interessava. Adeus, ficarás sempre no meu passado. – Estava a dizer isto e já estava com saudades dela. Lembrar-me-ia do seu rosto, da sua maneira, para sempre.

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