Estórias em Vão [2007]Ficção

A Decisão

Mais um dia! Acordo com a boa disposição de todos os dias desde que tomei a decisão. Bem, não exactamente desde que tomei a de­cisão, mas desde que sai do período triste por ter tomado a decisão. Levanto-me, lavo os dentes, ponho café a fazer, ligo a aparelhagem com um CD qualquer (tudo menos rádio) e vou tomar banho.

Dez minutos depois, banho tomado, de tronco nu, calças de fato e a caneca de café na mão, passeio pela casa a pensar no que tenho de fazer hoje. Basicamente é dar uma vista de olhos sobre como estão a correr os alicerces para o Centro Comercial. Sim… Não me apetece nada, tanta gente lá, trabalhadores, pessoas… Enfim tem de ser… Visto uma camisa e um sorriso (que guardo para mim) e saio do apartamento. Chamo o elevador, que vem do décimo primeiro com duas jovens mulheres a conversar baixinho. Viro costas subtilmente e vou pelas escadas. Porque não começar o dia com exercício? Quan­do chego ao rés-do-chão, miro a porta ao fundo e finjo não ouvir quando o Sr. Que-Não-Quero-Saber porteiro me diz:

– Bom dia, senhor Xavier! – nem sei porque ainda tenta!

Quando saio está o meu BMW Z3 prateado à minha espera, mes­mo em frente, à saída. Que regalo, não me canso de olhar para ele. Abro a porta do passageiro e pouso nele o meu blazer e a minha pasta. Entro no carro e ligo o leitor de cds, Miles Davis. Ponho-me a caminho da empreitada.

Quando chego, saio do carro, visto o casaco, e vou falar com quem tenho de falar. Ou melhor, vou ler os relatórios especiais que me fize­ram, eles sabem já de coisas que não gosto de fazer. Aparentemente está tudo bem e o trabalho que adiantei na semana passada está a sortir efeito agora, posso tirar o resto do dia.

– Dr. Xavier não quer vir tomar um café connosco? – não respon­do.

– Dr. Xavier! – sou obrigado a responder.

– Não, tenho muito que fazer.

– Mas tivemos a ver, e adiantou o trabalho todo, não pode perder cinco minutos com a malta para tomar café?

– Não, não posso, desculpe.

– Ande lá, só cinco minutos!

– NÃO POSSO! VOCE É SURDO OU QUÊ?? – E saio disparado, a caminhar o mais rápido que posso; o meu coração a bater a 200 por hora. Que filho da puta, quem é que ele pensa que é? Quem é que ele pensa que é? Quem é que lhe deu esse direito? Querer à força toda en­trar, foda-se! E ainda por cima esta farto de saber como sou, que caralho!

Vá Xavier, calma, recompõe-te… Entro no carro, a transpirar, ner­voso, acho melhor não conduzir já e esperar cinco minutos. Desde que tomei a decisão, de vez em quando tenho momentos destes, pessoas que não vêem um boi à frente, não sabem que toda a gente é diferente e que pessoas diferentes buscam maneiras diferentes para serem felizes… Que merda…

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